maçaPor Maria de Lourdes Arruda, de Serra Talhada

Era sobre o amor que eu pensava. Não sei exatamente o porquê, mas era sobre o amor.

Mecanicamente descasquei uma maçã e parti em finas fatias. Retirei-lhe as sementes e lembrei de uma cena de filme. Comi a maçã mesmo sabendo que nunca gostei mesmo desse fruto, talvez porque me fora apresentado em um momento de fragilidade.

Lembro que uma vez, mesmo entendendo a aflição de minha mãe, de alguma forma eu lhe reclamava o cuidado. Havia eu adoecido e as tentativas de sanar o meu mal com ervas, compressas e chás foram frustradas. Era preciso me levar para a cidade. Naquela madrugada eu ardia em febre.

Minha irmã mais velha era professora e era também a nossa salvação, pois graças ao seu ofício, eu e minha mãe podíamos consultar um médico. Como era difícil atendimento médico no posto de saúde do vilarejo onde morávamos!
Nos preparativos para me levar à cidade, minha mãe zelosamente me banhava, penteava os meus cabelos, vestia-me com uma roupa tão cuidadosamente lavada e passada com um ferro de brasas, me suspendia nos braços e, acompanhada de minha irmã, subia em um caminhão pau-de- arara em busca de um médico que me receitasse um remédio para aplacar minha febre. Só as mães fazem isso!

Depois da espera fatigante, mais para ela do que para mim, minha irmã trouxe para nós duas maçãs. Foi a primeira vez que comi maçã. Não deu outra: vomitei a roupa bem passada e a aflição de minha mãe aumentou.

Hoje fico pensando no que eu faria para não permitir que aflições lhe atingissem à alma. Tudo eu faria se me fosse possível voltar no tempo e ter a minha Maria de Nazaré particular.

Foi preciso que o tempo passasse, que eu sofresse absurdos e que me perdesse completamente para entender o que é amor. Cheguei a pensar que por mim, minha mãe só tivesse zelo. Estúpido engano!

Enquanto comia a maçã, lembrei das histórias que ela me contava pacientemente e até com certo entusiasmo para que eu dormisse. Parecia que havia prazer em me contar histórias. O quarto, tão simples, como os outros cômodos de nossa casa, se iluminava e ganhava uma atmosfera mágica quando ela pronunciava as primeiras palavras de suas narrativas.

Ainda lembro dos detalhes físicos, da rede de tear e da colcha de retalhos que cobria a cama da minha irmã. Ali também estava o amor da minha mãe, impresso em cada costura que unia aqueles pedacinhos de pano coloridos.

Lembro do tom doce de sua voz, e eu nem sei como ela podia ser tão doce mediante tanto sofrimento a que fora exposta incessantemente e sem tréguas até o dia de sua partida.

Acredito que a alegria da vida de minha mãe éramos nós cinco. A alegria e o Amor. Esse último, ela verdadeiramente experimentara porque teve a nós.

Foi recíproco porque tínhamos a ela. E é por isso, que ainda que tardiamente, hoje eu posso me dizer amada, pois o mais puro Amor que habitou o coração sofrido de minha mãe, hoje habita o meu, sofrido por outros motivos, que não os dela, mas não mais embrenhado em aridez como fora outrora.