aborto-ilegalPor Manu Silva militante do Coletivo FUÁH, Movimento Diverso e repórter/redatora do Farol de Notícias

Ser a favor da vida é diferente de tentar impedir que a mulheres possam escolher se querem ou não continuar com uma gravidez indesejada. A sociedade se habituou a ter instituições que controlam os espaços públicos, persuadindo e manipulando o que é privado e de direito dos cidadãos. O Estado e as Igrejas são as principais instituições que se colocam fortemente contra o aborto no Brasil. Nessa terça-feira (29) a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de não ver como crime na prática de aborto realizado até o terceiro mês de gestação causou uma reviravolta nessas instituições e nas redes sociais.

O caso específico em julgamento diz respeito a funcionários e médicos de uma clínica de aborto em Duque de Caxias (RJ) que tiveram a prisão preventiva decretada. A decisão não estabelece uma nova ordem legal para tratar do assunto, mas abre um importante precedente para o debate. Mesmo assim, o entendimento da 1ª Turma do STF pode embasar decisões feitas por juízes de outras instâncias em todo o país. A partir deste fato, um enorme reboliço nas redes sociais, por ser uma oportunidade debater a legalização do procedimento. Diante disso, alguns números no faz pensar na questão como um problema de saúde pública.

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Segundo a ONG Women on Waves, dos 42 milhões de abortos feitos anualmente no mundo 20 milhões são ilegais, realizados em condições pouco seguras, num ambiente social adverso. Os procedimentos clandestinos provocam aproximadamente 47.000 mortes por ano no mundo devido a infecções, hemorragias, danos uterinos, e efeitos tóxicos dos métodos utilizados para induzir a intervenção. Também a nível mundial mais de 1/3 das gravidezes não é planejada. Todos os anos quase 1/4 de mulheres grávidas decide fazer um aborto. Criminalizar não reduz o número de abortos, apenas aumenta a mortalidade e o risco que as clínicas clandestinas oferecem.

No Brasil, 8,7 milhões de brasileiras com idade entre 18 e 49 anos já fizeram ao menos um aborto na vida. Destes, 1,1 n-aborto-ilustrao-large570
milhão de abortos foram provocados. Em 2015, foram 501 mil abortos feitos nessas condições precárias e 67% das mulheres optam pelos remédios abortivos. A maioria dessas mulheres acaba nas emergências dos hospitais  por complicações após o aborto, mas recebem de resposta do Estado o artigo 124 do Código Penal que condena de um a três anos de prisão para quem aborta intencionalmente. Só há três casos em que o aborto provocado é legal: quando não há meio de salvar a vida da mãe, a gravidez resulta de estupro ou o feto for anencéfalo.

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Costumam vulgarizar as mulheres que praticam o aborto, mas aborto tem cor e renda. Segundo o IBGE, no Nordeste, por exemplo, o percentual de mulheres sem instrução que fizeram aborto provocado (37% do total de abortos) é sete vezes maior que o de mulheres com superior completo (5%). Entre as mulheres pretas, o índice de aborto provocado (3,5% das mulheres) é o dobro daquele verificado entre as brancas (1,7% das mulheres). Ou seja, as mulheres pretas, nordestinas e de baixa escolaridade optam pelo procedimento e as razões são as mais diversas possíveis. Só que nem toda mulher sonha em ser mãe ou quer criar um filho sozinha.

Apesar de tanta luta e tantas conquistas os retrocessos permanecem. Somos objetos, pertencemos a alguém e “precisamos” de medidas paternalistas porque não sabemos/temos capacidade para escolher. A sociedade nos pressiona a ser feminina, recatada, esposa e mãe, desde pequenas somos ensinadas a servir. Mas quando decidimos escolher o que fazer com nossos corpos as instituições nos demonizam. Não falam da responsabilidade do homem na concepção, estigmatizam o procedimento através de dogmas religiosos e sequer pensam no quanto é doloroso e traumatizante. Esquecem do problema que gera para a saúde pública manter o aborto na cladestinidade.

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A descriminalização não é nenhuma garantia que a partir de então os números de abortos aumentarão, mas também não diminuirão. Só aborta quem quer. Ser a favor do aborto não é ser contra a vida, é ser a favor da qualidade de vida e a possibilidade de escolha da mulher. A prevenção da gravidez não é apenas responsabilidade da mulher, os homens também estão envolvidos, mas comumente se abstêm do debate e muitas vezes da paternidade. Mas o que deve ser feito mesmo, antes até da descriminalização do aborto, é que se comece um trabalho intenso de discussão sobre direitos reprodutivos e saúde da mulher nas escolas.

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