Do G1

“Foi amor à primeira vista. Assim que olhei nos olhos dela me apaixonei”. É assim que Ethan Barcker Silva descreve sua história de amor com Beatryz de Araújo, com quem namora há nove meses. Apesar de se apaixonarem de imediato, o casal de Petrolina, no Sertão Pernambucano, demorou quase um ano para se reencontrar e iniciar o romance. “Fui piloto dela quando ela estava indo se juntar com um pessoal que estava ocupando uma universidade. Isso foi em outubro de 2016. Mas, foi a primeira e a última vez que a vi. Ela ficou com vergonha quando chegamos no campus e eu perdi ela de vista. Quase um ano depois nos reencontramos. Foi em setembro, no desfile da diversidade em Petrolina. Desde então, estamos juntos”, declarou Ethan.

Beatryz garante que se esforçou para revê-lo. “Eu procurava por ele em todos os eventos que participava, mas minha memória é muito ruim. Fui esquecendo da feição, mantendo só o sorriso. Foi quando eu parei de procurar que ele surgiu. Tomei coragem de ir falar com ele e me apresentar, mas ele lembrava de mim. Eu me joguei nos braços dele chamando de crush logo de cara”, brincou.

Um outro casal, também de Petrolina, conhece bem o que é esperar para finalmente ficar com a pessoa amada. Getúlio de Castro precisou de quase seis anos para conquistar Flávia Silva, por quem se apaixonou e namora há três anos. “Eu morava em Imperatriz, no Maranhão, com minha irmã e foi através de amigos que eu e Flávia nos conhecemos. Mas, Flávia estava engatinhando um relacionamento e nos tornamos amigos e vizinhos. Depois de cinco anos, quando ela já morava em Salvador e estava solteira, que tive coragem de contar sobre meu sentimento. Fui morar em Salvador, depois de alguns meses começamos a namorar e viemos morar aqui em Petrolina para poder ficar mais perto da família dela”, explicou Getúlio.

Veja também:   Ponte desaba em Baltimore após colisão de navio

A coragem de Getúlio foi capaz de fazer com que a sintonia do casal fosse maior que o medo. “Sempre senti que rolava uma química entre a gente, mas nunca dei atenção a isso porque estava em um relacionamento. Acreditava que era coisa da minha cabeça. Nada que eu devia dar muita importância, mas quando ele me contou o que sentia por mim foi um choque! Porque não imaginava de jeito nenhum que ele sentia algo por mim. Lembro que quando recebi a mensagem abri um sorriso, mas nem entendia o porquê de estar sorrindo. Fiquei nervosa também, não queria de forma alguma estragar nossa amizade e não acreditava que teríamos futuro juntos, por sermos amigos. Sabe?!”, contou Flávia.

A paciência dos casais não é a única semelhança entre eles. O uso do amor para vencer a barreira do preconceito social também os une, já que Ethan e Getúlio são homens trans. A condição é caracterizada quando uma pessoa nasce com o sexo feminino, mas possui sentimento de identificação e pertencimento pelo gênero masculino. Para que haja reconhecimento social como homem, muitos deles passam pelo processo de transição de gênero através de terapia hormonal.

Transfobia

A transfobia é o preconceito contra pessoas transgêneras. Os casais Beatryz e Ethan e Flávia e Getúlio conhecem bem o termo e o que ele representa. “Houve vários conflitos (quando o relacionamento começou). Algumas pessoas da família não falam mais com ela (Beatryz). A minha sogra ainda sofre algumas coisas por me amparar e me reconhecer”, lamentou Ethan.

Veja também:   Futebol das Comunidades Rurais anima torcida

“Na rua também já aconteceu de uns comentários infelizes e olhares tortos virem em nossa direção, mas não me intimidam. Eu sou superprotetora, me preocupo mais em como aquilo está afetando a ele e minha mãe. Se os machucarem, aí sim terá efeito em mim, como quando minha mãe chorou dizendo que não aguentava mais, já que ela estava sendo a maior receptora dos comentários maldosos”, complementou Beatryz.

Para Flávia e Getúlio, uma manifestação grave da transfobia no início do relacionamento nunca será esquecida. “Fomos eu, ele e um amigo comprar umas coisas na conveniência à noite e na volta, uns garotos vieram do nada e deram um soco na cara do meu amigo, que é gay, e bateram no Getúlio também. Fiquei com medo, raiva. Não entendo como algumas pessoas são motivadas pelo ódio dessa forma, de bater em alguém assim do nada e por nada. Depois disso, evitava de início andar de mãos dadas na rua ou demonstrar qualquer afeto, carinho. Por questão de segurança mesmo”, contou Flávia.

“Sofri um preconceito em uma loja que trabalhava em Salvador também. Quando me assumi trans para a gerente da loja, ela ameaçou me demitir caso eu iniciasse com a hormonoterapia. Mas, nunca sofri preconceito aqui em Petrolina. Acho que pelas mudanças físicas também, não sei”, se questiona Getúlio.

Mesmo com as dificuldades, Beatryz não economiza palavras para descrever porque é apaixonada por Ethan. “Eu sou apaixonada por ele. Acho que isso é o resumo menos satisfatório para essa pergunta, mas é a realidade. Todo dia eu acordo e me apaixono mais um pouco só de vê-lo dormindo ao meu lado. Mas, se for para debulhar, eu sou apaixonada pelo modo como ele cuida de mim, como ele se preocupa com minha mãe, como ele é gentil e simpático (parece um político na rua falando com todo mundo). Eu sou apaixonada pela inteligência que ele não assume ter, mas continua me ensinando coisas novas todos os dias. Eu sou apaixonada pelo humor besta, por como ele se esforça, como ele tá sempre em busca de melhorar em todos os aspectos. Sou apaixonada pelo carinho e atenção que me dedica. Ethan é uma pessoa incrível”, ressaltou.

Veja também:   Famílias podem ganhar até R$ 20 mil para casa própria

Flávia também faz questão de dizer porque enfrentar todos os desafios vale a pena. “Ele (Getúlio) é um cara incrível. Sempre me respeitou muito. É muito parceiro e amigo. Só o fato dele ter guardado seus sentimentos em respeito ao meu relacionamento passado já é de se apaixonar, né?! É difícil encontrar alguém que respeite tanto. Nossa amizade prevalece mesmo com o namoro e isso é ótimo. Ele é verdadeiro comigo. Alguém que posso contar sempre. Espero (do futuro) que seja do mesmo jeitinho que é hoje. Não mudaria nada! Só acrescentaria mais uns dois cachorros e um gato (temos 5 gatos). Quem sabe um filho também. Tenho certeza que ele seria um pai incrível. Só desejo que o mundo tenha mais amor e respeito”, finalizou.