Na manhã desta quarta-feira o FAROL DE NOTÍCIAS recebeu em sua redação a visita da professora e psicoterapeuta Angelita Gouveia para uma entrevista sobre a psicoterapia em Serra Talhada e a desmistificação de velhos estereótipos. Angelita Gouveia é formada em Psicologia pela Faculdade Frassinette do Recife (FAFIRE), tem especialização em psicologia familiar e residência em saúde mental pela UPE, além de mestrado em psicologia pela UFPE.

Atualmente Angelita é professora no curso de Psicologia da Facisst, em Serra Talhada. A agradável conversa tratou de posicionar o papel da psicoterapia e como a psicologia tem tratado questões como a orientação sexual e identidade de gênero atualmente, a partir de temas polêmicos como machismo e “cura gay”. Confira na íntegra a entrevista! As fotos são do repórter fotográfico Alejandro García.

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ENTREVISTA COM ANGELITA GOUVEIA – PROFESSORA E PSICOTERAPEURA

FAROL: Bom dia Angelita Gouveia, é um prazer recebê-la na redação do FAROL. Gostaríamos que você avaliasse um pouco como a psicologia é encarada em Serra Talhada. Há ainda muitos preconceitos quando o assunto é a psicoterapia?

ANGELITA GOUVEIA: Obrigada ao FAROL DE NOTÍCIAS, pela oportunidade de conversar sobre esse tema, a psicoterapia. É fato que muitas vezes é psicoterapia tem sofrido um estigma. Eu acredito que não seja uma questão situada apenas em Serra Talhada, em outras localidades a gente também convive com esse estigma.

Muitas vezes as pessoas padecem de um sofrimento, estão precisando de um acompanhamento profissional e elas não buscam, porque acreditam que a psicoterapia é única e exclusivamente aplicada a loucura, a pessoas que sofrem de pessoas que sofrem com transtornos mentais.

A gente já vê dois estigmas, um que as pessoas não querem ser identificadas como alguém que tem um transtorno mental, e por outro lado também como alguém que sofre de alguma fragilidade e precisa desse cuidado orientado por um profissional e psicologia.

FAROL: Que tipo de transtornos mentais, problemas e fragilidades uma pessoa consegue resolver com a ajuda da psicoterapia?

ANGELITA GOUVEIA: Existem várias abordagens em psicoterapia e existem vários objetivos diferentes em cada uma dessas abordagens. Muitas vezes as pessoas têm problemas para tomar decisões importantes em suas vidas, por exemplo, como é a questão da orientação vocacional, que pode ser um embate que traz sofrimento a um jovem. Algumas vezes, as famílias têm buscado ajuda psicoterapêutica para as crianças, porque tem se identificado os casos diagnosticados como déficit de atenção e hiperatividade, e, em alguns casos, tanto essas crianças quanto essas famílias precisam de acompanhamento psicoterapêutico

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No caso dos adultos as motivações são as mais diversas também, como problemas relacionados à vida afetivo-sexual, dificuldades nos relacionamentos conjugais. A busca pela psicoterapia é realizada sempre quando algo aflige esse sujeito e ele não consegue lidar com aquele sofrimento sozinho, e aí ele busca o profissional de psicologia e nós.

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FAROL: Angelita, alguns assuntos relacionados à sexualidade que estão em evidência na mídia que são veiculados e justificados como patologia. A “cura gay”, por exemplo, é um argumento que se baseia na psicologia para explicar e buscar reverter à homossexualidade e transexualidade. Como os estudos da psicologia contemporânea tem pensado esse tema?

ANGELITA GOUVEIA: As questões relacionadas à identidade de gênero e a orientação sexual têm sido uma bandeira levantada pelo Conselho Regional de Psicologia, nós não atuamos em prol de uma “cura gay”. A gente se posiciona totalmente contra isso, a gente acredita que a diversidade é sim uma possibilidade das pessoas estarem no mundo, de experienciarem sua sexualidade. Nós não nos posicionamos a favor da “cura gay”.

Nosso objetivo hoje é acolher essas pessoas e fortalece-las para que elas possam sim viver a sua diversidade sexual, se erradicar no mundo e enquanto sujeito se posicionar em defesa da sua sexualidade. É isso que a gente tem trabalhado com as pessoas, na diluição dos preconceitos para que elas, fortalecidas, viverem aquilo que elas acreditam e viverem seu desejo plenamente.

FAROL: Angelita, no caso de pais que procuram um auxílio psicoterapêutico para seus filhos, quando identificam uma identidade de gênero trans, ou uma orientação sexual diferente da imposta pela sociedade. É necessário trabalhar com a família para que eles tenham compreendam a diversidade? Como o psicólogo e psicoterapeuta lida com um caso desses?

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ANGELITA GOUVEIA: Primeiramente, nós acolhemos cada caso em sua singularidade, as motivações para essa não aceitação são diversas. Por exemplo, um psicoterapeuta deve saber que construímos discursos machistas e somos construídos por estes discursos também e, algumas vezes, sem nos darmos conta, reforçamos esses discursos e, de tanto reforçarmos, eles parecem naturais… Isso acontece com a heterossexualidade. Pensamos a heterossexualidade como algo natural. Não pensamos que nossa sexualidade é uma construção e que a nossa orientação sexual se constrói a partir das nossas experiências pessoais. Pois bem, esta família que nos chega também partilha desses padrões sociais heterossexistas e machistas e isso contribui para que esse pensamento circule na família causando imenso sofrimento, a gente começa então, a trabalhar na contra-mão desses conceitos que a família muitas vezes traz nas bases do seu pensamento. A cada sessão, a gente vai trabalhando esse sofrimento, com esse olho na cultura, já com essa percepção e de acordo com cada caso.

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FAROL: Há ainda pessoas que associam a psicologia com questões espirituais ou esse é um estereótipo superado?

ANGELITA GOUVEIA: Sim, existe. Existe inclusive algumas denominações em psicologia que fazem esse flerte com expressões mais místicas, com o misticismo. Meu posicionamento é de que a gente precisa compreender que as pessoas devem ter liberdade para buscar aquilo que elas acreditam que vai fazer bem a elas, aquilo que elas acreditam que vai torna-las felizes, mais conscientes daquilo que elas sentem, mas a ação de uma prática espiritual não tem a orientação de uma prática psicoterapêutica. A psicoterapia tem por objetivo esse cuidado que é orientado ao psiquismo humano. Não é a admissão espiritual que está ali sendo cuidado. Embora a dimensão espiritual possa aparecer como conflito na vida dessa pessoa.

FAROL: Angelita, para finalizar, há algum conflito que você percebeu nos serratalhadenses que você percebeu que há a necessidade da intervenção da psicoterapia?

ANGELITA GOUVEIA: Eu observo que não só na cultura de Serra Talhada, o que é algo que me preocupa, mas na nossa cultura em geral, são as relações entre homens e mulheres serem tão díspares e isso tem causado muito sofrimento.  As mulheres ficam em uma posição muito subjugada e a gente precisa lançar um olhar muito especial para isso, porque isso nos chega em forma de imenso sofrimento. Muitas vezes essa mulher é colocada em um lugar de menos valia, muitas vezes ela é totalmente projetada apenas para ser mãe, apenas para ser esposa.

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Quando ela tem outros desejos, de ascensão profissional, de circulação em espaços públicos, isso é muito marcante e tem sido causa de muito sofrimento. Esse homem que muitas vezes só ele é colocado na posição de provedor, ou ele se coloca nessa posição de provedor de uma família. Então, eu acredito que não só em Serra Talhada, mas na nossa cultura em geral, só que em cada uma esse machismo se apresenta de maneiras muito diferentes, a gente precisa caminhar na direção de uma cultura igualitária, na verdade, de uma cultura mais equânime para que a gente possa dar a todos e a todas as mesmas oportunidades.

Na verdade, o machismo é tema recorrente em psicoterapia devido ao grau de sofrimento que produz, mas existem outras formas de se fazer psicologia além da psicoterapia que têm alcances muito potentes para lidar com essas questões de gênero e sexualidade. A psicologia social pode ajudar muito porque esses psicológos que atuam nessa perspectiva social promovem ações coletivas e em equipes multiprofissionais em escolas, nas áreas da Saúde com enfoque na Atenção Básica e na Saúde Mental, na Assistência Social, pois a psicoterapia por si só não tem como dar conta de veicular discursos mais igualitários sozinha.

 

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