Por Alejandro García, repórter fotográfico do Farol

O sentimento que se apodera do visitante de Buenos Aires quando anda pela primeira vez pela “Reina del Plata” eu desconheço por completo.  Sou portenho de nascença e assíduo frequentador de suas ruas e bares, dos feudos de sua boemia, de Palermo ou de suas casas de inquilinato proletário em La Boca, coloridas com as tintas que o pintor Quinquela Martin obteve de graça no porto.

Fui morador de vários bairros; San Telmo, Congresso, Almagro. O berço do tango é minha casa, onde posso andar sem precaução porque seus habitantes são meus pares… Podia. Este mês de maio voltei depois de quase 20 anos e a realidade, claro, é outra. Ainda os plátanos, ignorando os asmáticos, continuam se encontrando no alto das ruas e suas folhas caídas servem de tapete nas aceras e dão trabalho aos garis.

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Os bares mais tradicionais Las Violetas, o Tortoni, Los 36 Bilhares, conservam seu estilo aristocrático, o Tortoni Mdrilenho, pois está na Avenida de Mayo, Las Violetas mais afrancesado. Outros, nos bairros, mantêm o estilo “Cafetin de Buenos Aires”. Mas a entrada dos burgers americanos na vida portenha está consumada.

O Mercado de Abasto na Av. Corrientes, berço artístico de Gardel, hoje shopping, só de fora lembra de seu passado glorioso. Já a Galería Pacífico, na Rua Florida, conserva os murais de Antonio Verni e se converteu num passeio quase obrigado para os amantes das artes plásticas.

O cemitério do bairro La Recoleta é um tour para visitantes, e (fiquei feliz) o túmulo mais visitado é o de Eva Perón, Evita. E o único que sempre tem flores. O passeio pode continuar pelo lugar, aristocrático de nascença, e andar comodamente pelas ruas que dão prioridade a os pedestres. Os carros respeitam um passeante e não podem estacionar nelas.

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Mas o encanto se desfaz quando o visitante se afasta das áreas construídas e antigamente habitadas pela burguesia portenha.

Embaixo dos novos viadutos as famílias constroem abrigos de papelão para passar as noites. No tradicional La Boca só se pode andar na esteira reservada para os visitantes. Fora desse circuito ninguém se faz responsável pela segurança, nem a polícia.

CAPITALISMO

De noite os catadores perambulam mexendo nas caçambas destinadas à colheita do lixo reciclado buscando material para vender. A realidade do capitalismo aplicado em América Latina chegou dura à Argentina. Imigrantes do Norte, de dentro e fora dos pais, buscam sobreviver onde o dinheiro flui, ainda que fora do mercado de trabalho, pois os programas de educação obsoletos não capacitam para lidar nele.

A classe média portenha está chocada e não se interessa em entender. E aposta no presidente Macri. Um ponto a favor para ele. Na Praça de Mayo estão acampados ex-combatentes da Guerra das Malvinas pedindo serem ouvidos desde o governo de Cristina. Macri já fez sinais de recebê-los.

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DE VOLTA A MINHA SERRA

Tive encontros dos mais lindos e emocionantes. As impressões da viagem foram fortes e não estou ainda conseguindo processar, mas da maior já fiz a leitura. Em Buenos Aires, minha cidade de quase toda uma vida, ninguém me cumprimentou na rua, nem no elevador, nem na padaria. Era um fantasma. Cheguei a pensar que tinha morrido sem saber.

Em Serra Talhada, na primeira manhã que voltei a andar na Rua 15 de Novembro, um vendedor de guloseimas me disse: “Ei, andava perdido? Senti sua falta nestes dias”. Obrigado, amigo, eu também.