Por Paulo César, professor e escritor

Segundo o pensamento popular, voltar ao passado é ser infeliz duas vezes, no entanto, no meu caso, voltar ao passado é ser feliz centenas de vezes! Sendo assim, divido com os amigos algumas das passagens mais marcantes da minha infância e início da adolescência, muitas delas se reportam a década de 80 e início dos anos 90. Nesse período de pouco mais de 13 anos, vivi três etapas bem distintas. A primeira foi quando morei no Alto do Bom Jesus, hoje chamado oficialmente de Bom Jesus, quando corri para ver a passagem do trem, tanto o de passageiro (azul), como o de carga (vermelho). Foi de lá que parti ansioso para assistir o meu primeiro filme em um cinema, e acredito que tenha sido um dos últimos a ser exibido no Cine Plaza. O filme era Marcelino Pão e Vinho, um filme espanhol de 1955 baseado no famoso livro de mesmo nome escrito por José María Sánchez Silva. Durante muitos anos aquelas imagens em preto e branco vagaram na minha mente, perpetuando um momento singular da minha vida. A segunda fase, que se passou na rua Cornélio Saores, foi a mais marcante e por isso deixarei por último.

A terceira fase, foi à mudança do centro da cidade para o bairro da Cachichola, que não época era uma extensão da zona rural da cidade. O choque cultural foi grande, pois logo quando cheguei na Cachichola não havia água encanada, o que nos obrigava a carregar água em latas e galões. O maior desafio era enfrentar cheias do Rio Pajeú, já que a ponte sobre o rio ainda não tinha sido construída. Para não perder a hora de entrar na escola era preciso acordar muito cedo, para não perde a primeira “canoada”. Vivíamos em função da canoa de Seu Luiz Rufino, pois dependíamos dela para tudo, desde a compra da feira ou para o transporte de caixão de defunto. As cheias duravam de três a quatro meses e somente em 1990, com a construção da ponte, a canoa de Seu Luiz foi aposentada. Entre os fatos marcante desse período estão os banhos no curtume e no poço do padre, as peladas no campo de futebol, que curiosamente foi construído em terreno em declive, sorte de quem jogava de cima para baixo. Nesse campo tive a honra de jogar com a camisa do Palmeiras da Cachichola, joguei com a 8, pois a 10 era do filho do dono do time. Na verdade ele jogava um pouco melhor do que eu e por isso a usava a camisa tão desejada!

Como citei anteriormente, a época mais marcante foi a que vivi nos entornos da Rua Cornélio Soares, já que morei em uma rua próxima e sempre ia pra casa do meus avôs, Jonas Viturino e Maria Gomes Viturino, que moravam na Cornélio, gostava muito de ouvir as muitas histórias de Seu Jonas, já que ele foi soldado da volante, pedreiro e funcionário do DNOCS. Eu meus colegas de rua adoramos comprar cajuína para comer com pão doce, nas bodegas de Wilson (Wilson Ilumina) e de Seu Valdelicio. Brincávamos de “rouba bandeira”, “garrafão”, “se esconde” (esconde-esconde), “rendido”, “bila” (bolinha de gudi), “pião” e tantas outras, eram brincadeiras divertidas, espontâneas e inocentes. No entanto, o que mais gostávamos era de jogar bola, e olha que não precisamos nem dela, pois improvisávamos uma com embalagens de água sanitária e até com tampinha de garrafa. O espaço para jogar era o de menos, poderia ser no meio da rua, na calçada do prédio da Celpe (atual guarda municipal), o palco da Concha Acústica, na calçada da Igreja do Rosário, sendo que o local que mais gostávamos era nas areias do rio Pajeú.

Nas areias do rio, além de jogar bola, apreciei as jogadas de algumas “figurinhas carimbadas” daquela época, entre eles destaco Zé Boné, João Bala, Jorge Stanley, Bria, Danilo (falecido Agente da Policia Civil), Marquinhos da Farmácia do Povo, Josenildo Mariano, Keninho, Tinda (Marcos César), Coco, Pedro Imbuzeiro, Jair Bola Sete, Demário, Rui Grúdi, Beto Coruja (Humberto Cellus), Chico Cachichola e Ventania, o cavalo do desenho She-ra.

Minha geração não sofreu a influência dos vídeos games e nem da internet, por isso muitos dos nossos brinquedos eram feitos manualmente, fazíamos carrinho de lata, carrinho de rolimã, rolo (feito com embalagem de água sanitária ou de álcool), pipa (papagaio), lanterna (uma lata com vários furos com uma vela dentro), espada, revolver de madeira, bomba d’água (usado no Carnaval). O nosso banco imobiliário era feito com um dado de madeira e notas feitas com as embalagens de cigarro, quanto mais caro fosse o cigarro, mais valor tinha a nota. Para pescar usávamos a criatividade, as piabas eram capturadas com uma garrafa de champagne furada no fundo e cheia de farinha e os peixes maiores um anzol de arame e um “gogo” (minhoca) como isca. Ainda me lembro de como as águas do rio Pajeú eram limpas, transparentes e inodoras. Outra fato muito peculiar daquelas décadas eram as pessoas que nos amedrontavam, como dona Rozita, uma imigrante alemã que morou muitos anos na rua Cornélio Soares e que era dona de um semblante assustador, Wilson Doido, Boneca Suzi (infelizmente não me recordo do seu apelido original), Antônio de dona Anésia, quando alguém ouvia um desses nomes nas proximidades da rua partia em direção de casa que nem um avião pegava!

Taí um pouco das minhas memórias, que mesmo recentes ainda me fazem se sentir um menino, feliz e irrequieto, observador e questionador! A todos e a todas, um feliz dia das mães!

P.S.: Esse texto é dedicado In Memoriam de Maria Luiza, Dona Lú, mãe de nosso querido amigo Giovanni Sá.