Leia Mais no Diario de Pernambuco

O professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) José Luiz Ratton se inclina um pouco para frente e arregala os olhos, falando de modo incisivo. “O Pacto pela Vida como ele foi concebido morreu. Está morto. O que o governo está fazendo agora é gerir uma marca.

Hoje, há uma gestão malfeita de uma marca que já foi bem-sucedida.” Da concepção de um dos programas de segurança do qual mais se ouviu falar no País na última década, ele pode falar. Estava no centro da criação capitaneada pelo ex-governador Eduardo Campos, e saiu da gestão antes de surgirem as falhas.

Em julho, Pernambuco chegou a 3.323 crimes contra a vida no ano. Isso já é mais do que o que foi registrado em todo o ano de 2012 (3.321) e 2013 (3.100) por exemplo. No primeiro semestre de 2017 o País teve 1,7 mil homicídios a mais do que no mesmo período do ano passado; 913 deles aconteceram em Pernambuco.

“Os padrões que observamos para este ano mostram que Pernambuco pode chegar a número absoluto de homicídios que talvez seja o maior da história, entre 5 mil e 5,4 mil. Na melhor das hipóteses, que ainda assim é muito ruim, equivaleria a 10% dos homicídios do Brasil e a quase 1% do mundo. É uma tragédia civilizatória”, diz Ratton.

Um dia antes, na quarta da semana passada, o secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua Cavalcanti, teria resposta diferente diante da mesma pergunta: o Pacto morreu? “Está mais vivo do que nunca. O pacto é uma política de Estado construída há dez anos, de muito sucesso, e colocou Pernambuco entre os melhores Estados no enfrentamento à violência, mas obviamente há necessidades de ajustes operacionais e os resultados já estão sendo colhidos”, disse no seu gabinete.

Nas ruas da capital, não há sensação de resultado. São comuns relatos de assaltos a ônibus, que a pasta diz reduzir, enquanto o Estado regride uma década no patamar de homicídios.

Rotina

É madrugada em Charnequinha, em Cabo de Santo Agostinho, região metropolitana do Recife, quando o rabecão chega à segunda travessa da Rua Dezenove para recolher o corpo de Andreia Moreira de Figueiredo, de 38 anos. Horas antes havia sido encontrada morta, com sinais de esganadura, na sala da sua casa.

O horário não impede que dezenas se reúnam próximo da cena do crime, ainda sem autoria, para acompanhar o trabalho da polícia. Os investigadores logo informam que a vítima tinha três passagens pela polícia por tráfico de drogas. O ex-marido e o irmão, presentes no local, não choram, apresentando ar de aparente conformismo para o que chamam de destino da mulher.

Um mototaxista com casaco do Sport, time de futebol local, reage com desprezo à pergunta sobre segurança na região. “Aqui morre um todo dia.” O homem, que preferiu não se identificar, erra por pouco.

Com 94 assassinatos no ano, Cabo de Santo Agostinho tem um homicídio a cada dois dias e 30% mais casos do que no ano passado.

Já na Igreja Nossa Senhora do Carmo, em Goiana, a 60 quilômetros do Recife, o clima é de consternação. Na noite da quarta-feira, era celebrada a missa de sétimo dia de Edvaldo José Valença da Silveira Neto, morto com um tiro durante uma tentativa de assalto em que tentaram levar o seu carro. Quatro suspeitos foram presos. A mãe, a enfermeira Mônica de Araújo Silveira, de 42 anos, lembra dele como uma pessoa “intensa” e “com pressa para viver”. “Ele ficava revoltado com os casos de violência que eram noticiados e acabou, veja só, sendo vítima dela.”

Para o pai, o tabelião Edvaldo Rodrigues da Silveira, de 43 anos o momento é de falar, não calar, e de reclamar. “Um dos suspeitos presos era menor, você viu? 17 anos. Tem de mudar a legislação deste País”, destaca.