É necessário vocação
na carreira de faroleiro.
Consta do serviço civil,
tem obrigação e direitos.

Porém não se entra nela como
em qualquer outra profissão:
entrar para ser faroleiro
é como entrar em religião.
É como entrar-se para a Igreja
numa ordem contemplativa,
pois no alto cargo se cavalgam
vazios propícios à mística.

Na torre só, mais: isolado
de tudo o que faz transeunte,
habita a linha de fronteira
onde espaço e tempo se fundem.

O mar em volta do farol
é qual relógio sem ponteiros.
O faroleiro é só em si,
sem companhia nem do espelho.

O faroleiro é como nu,
ser devassado por janelas
que o cercam de todos os lados
e para o nada sempre abertas,
sobretudo para esse nada
que há na fronteira espaço-tempo:
o silêncio, que abafa como
almofada de algodão denso.

Veja também:   Aliados de Márcia e Sebastião já caminham juntos em ST

Ora o nada aberto ao redor
leva-o à posição uterina,
fechando-o ainda mais em si,
habitando a moela mais íntima,
ora dissolve o faroleiro,
que embora desperto se anula:
as vias da contemplação,
qualquer das duas se quer, usa.

Rubem Braga uma vez tentou
salvá-lo do não metafísico:
foi visitar um faroleiro
titular de uma ilha do Rio.

Rubem Braga logo decide:
não é homem de introspecção.
Vê que precisa de diálogo
esse afogado em tanto não.

De volta ao Rio, nos jornais,
lança um apelo: que doassem
vitrolas, rádios, qualquer voz
ao navegante sem navegagens.

Por João Cabral de Melo Neto

(Rubem Braga e o homem do farol)

(Recife, 9 de janeiro de 1920 – Rio de Janeiro, 9 de outubro de 1999) – Além de poeta, foi um diplomata brasileiro. Classificado como poeta da geração 45, terceira geração do modernismo, foi agraciado com diversos prêmios ao longo de sua carreira de escritor. Foi membro da Academia Brasileira de Letras e da Academia Pernambucana de Letras.