Do G1

O Brasil teve 80 pessoas transexuais mortas no 1º semestre deste ano, segundo relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra).

Uma delas foi a adolescente Keron Ravach, de 13 anosassassinada a pauladas em janeiro, no Ceará. Ela se tornou a vítima mais jovem na história do monitoramento, que é feito pela Antra há 4 anos. Segundo a polícia, ela foi morta por um rapaz de 17 anos.

Em caso recente de violência contra pessoas trans, outro menor de idade é suspeito de atear fogo a Roberta da Silva, de 33 anos, no último dia 24, no Recife. Ela está internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) desde então e teve um braço e parte de outro amputados.

“Nunca houve um momento tão vulnerável e violento para pessoas trans como o que estamos vendo agora”, diz Bruna Benevides, coautora do levantamento.

O relatório da Antra é feito a partir de reportagens e relatos de organizações LGBTQIAP+. A associação denuncia que não existem dados oficiais e, por isso, entende que o número de assassinatos entre janeiro e junho deste ano pode ter sido ainda maior.

O Brasil se manteve em 2020 como o país o que mais mata trans e travestis: ao longo daquele ano foram 175 assassinatos.

Segundo ela, os desdobramentos da crise com a Covid pioraram as condições de vida da população trans, sobretudo para quem vive da prostituição, caso da maioria das vítimas de assassinatos.

Neste 1º semestre de 2021, a maioria das mortes violentas foi de mulheres trans/travestis negras, um perfil que se repete ano a ano. Dois homens trans também foram vítimas, de acordo com a Antra.

Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo seguem sendo os estados com o maior número de casos.

“É um peso que está dentro de mim, que eu não consigo dormir direito, trabalhar direito, e eu quero que a Justiça aja mais rápido”, disse o pai de Milena Massafera, morta na casa dela, em Ribeirão Preto (SP), em abril.

Expectativa de vida pode ter baixado

Entre as vítimas de assassinatos no 1º semestre das quais foi possível conhecer a idade, a maioria tinha menos de 35 anos, que é considerada a expectativa de vida dessa população no país.

“(Após o caso Keron, de 13 anos), já há algumas ativistas que têm falado na queda dessa expectativa”, diz Bruna Benevides, que é responsável pela Secretaria de Articulação Política da Antra.

“Isso dá um recado muito violento para a nova geração”, adverte a ativista, que também é uma mulher trans. “Essas pessoas passam a não mais enxergar um futuro promissor.”

O monitoramento da associação, assinado por Bruna e por Sayonara Nogueira, presidente do Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE), contabiliza ainda 33 tentativas de assassinato de pessoas trans no 1º semestre, incluindo o caso de Roberta.

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Assim como aqueles que resultaram em mortes, esses ataques foram feitos, em sua maioria, com crueldade. “São casos de estupros coletivos, corpos incendiados, vítimas de tentativas de execução, pessoas atiradas de dentro de veículos em movimento, espancamento, sequestros, desaparecimentos”, explica Bruna.

Opressões ‘se reorganizaram’

Apesar de o assunto ter ganhado mais espaço nos últimos anos, Bruna entende que também foram reorganizadas as opressões contra a população trans/travesti.

“Houve o surgimento de um levante antitrans que incorpora uma suposta proteção de crianças e adolescentes, mas que, na verdade, está se organizando para impedir o acesso a cuidados e a um ambiente acolhedor”, diz a ativista, citando, como exemplo, um projeto de lei que tramita na Assembleia de São Paulo que proibiria LGBTs de aparecerem em propagandas.

Na visão de Bruna, isso poderia explicar a participação de menores de idade nos crimes recentes contra essas pessoas, como visto nos casos de Keron e Roberta.

“Que juventude estamos formando ao ver esse cenário que está organizado para tentar impedir que pessoas trans sejam trans?”, questiona.

A Antra denuncia também as ameaças feitas contra vereadoras trans/travestis, como mostrou o Fantástico. “Esse levante contra as parlamentares trans é desproporcional a qualquer grupo que ascendeu a esses espaços de decisão”, lamenta Bruna.

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“A gente consegue colocar 30 pessoas trans nesses espaços, mas, na mesma medida, vemos essa organização de forças contrárias que incluem o ódio, a transfobia e, obviamente, a violência política, no sentido de barrar a busca por cidadania e humanização das pessoas trans e outros grupos minorizados.”

Esperança no SUS

 

A secretária de Articulação Política da Antra considerou uma vitória a determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes para que o Sistema Único de Saúde (SUS) passe a tratar usuários pelo gênero com o qual se identificam.

Se uma pessoa retificou seu registro civil e passou a se identificar como do gênero masculino, mas possui útero e quer engravidar, essa pessoa tem direito a um obstetra e a um pré-natal adequado, exemplificou o ministro.

Isso permitirá, segundo Bruna, que pessoas trans não dependam apenas dos serviços de saúde especializados nessa população.

Para a ativista, é importante que a medida venha acompanhada de marcadores de identidade de gênero, para que seja registrado que o procedimento foi realizado em uma pessoa trans, evitando assim, que possa ser lido como um erro. O SUS tem até o próximo dia 28 para atender à determinação do STF.

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