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Publicado às 05h23 desta sexta-feira (15)

Durante toda a semana dos professores o Farol de Notícias vem homenageando os profissionais que marcaram gerações (relembre aqui e aqui). Hoje vamos contar a história de Maria Pereira de França Aguiar, 53 anos, que veio da Fazenda Veneza, em Serra Talhada, filha de agricultores, aprendeu a ler com sua mãe que é analfabeta funcional, e já viajou o mundo graças ao seu trabalho e sua dedicação aos estudos. Maria Aguiar, como é mais conhecida, marcou e ainda marca histórias de alunos e alunas. Ela atua como professora de português, literatura e inglês desde 1995, coleciona memórias e tem seus alunos como os seus filhos.

Na época que Maria Aguiar fazia ensino médio pouco se falava sobre vestibular, os tempos eram outros, não tinha tanto estímulo como hoje em dia. Ao chegar no último ano da escola ela se deparou com alguns colegas que estavam se preparando para o vestibular, e relatou que nem sabia do que se tratava, mas entrou na ‘onda’ e começou a se questionar, para saber qual seria o curso escolhido. Como sempre gostou de ler e escrever escolheu 3 opções: Jornalismo, Publicidade e Letras, dos cursos escolhidos, passou em Letras na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mas sua mãe não queria que morasse de favor com ninguém, então a convenceu a cursar Letras em Serra Talhada. Ela iniciou o curso e de cara já gostou, sempre se identificou muito com português e literatura.

“Eu não fui motivada a ser professora, morava na zona rural, quando eu estava fazendo o terceiro ano eu acho que nem sabia o que era vestibular, via meus colegas se preparando para o vestibular então pensei “se esse povo está fazendo vestibular, eu vou fazer também”. Minhas colegas da época perguntavam o que eu ia fazer e eu nem sabia qual o curso eu queria fazer, era um outro tempo, a educação era outra realidade, hoje o aluno quando entra no primeiro ano já é estimulado a pensar sobre o ingresso na faculdade, tem SSA (Sistema Seriado de Avaliação – Universidade de Pernambuco), ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), Sisu (Sistema de Seleção Unificada), Prouni (Programa Universidade Para Todos)”, a professora relatou, acrescentando:

“Na minha época professor nenhum falava em universidade, mas, eu tinha alguns colegas que tinham estudado em Recife e me falavam. Decidi fazer, no entanto ainda não sabia que curso eu queria, então comecei a me questionar “o que eu gosto de fazer?”, eu sempre gostei de escrever, de ler, então tinha que ser um área voltada para leitura e escrita, decidi fazer jornalismo, me inscrevi para Universidade Federal de Pernambuco, na época o vestibular era feito pela Covest e a gente escolhia 3 opções de curso, em primeiro lugar eu coloquei jornalismo, na segunda opção coloquei publicidade e propaganda e na terceira eu coloquei letras. Tinha a primeira etapa e a segunda etapa, passei na primeira etapa e fiquei surpresa, na segunda etapa que era uma prova bem mais difícil eu passei para minha terceira opção que era letras. Comecei a cursar Letras na Fafopst e gostei, quando terminei o curso já teve inscrição para o concurso do estado, fiz e passei”.

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A SUA PAIXÃO PELA EDUCAÇÃO

Maria Aguiar que tem um jeito único, sempre se diferenciou dos padrões de professora de português e inglês, também faz questão de ter os alunos como amigos. Ela não teve filhos gerados de seu ventre, mas se considera mãe dos seus alunos e isso para ela é sinônimo de orgulho. Já são mais de 26 anos dando aula e ainda não pensa em se aposentar, cada ano que passa toma mais gosto pela a educação e se sente bem fazendo o que ama, que é ensinar.

“Em março de 1995 eu comecei a atuar na área e estou aqui desde então, gosto do que faço, já poderia ter me aposentado, mas ainda não quero. Quando as pessoas me perguntam “vai se aposentar quando?”, eu respondo “agora que estou tomando gosto pela educação”, aprendi a gostar da minha profissão, costumo dizer que não tive filhos, mas tenho muito mais filhos, porque os filhos que Deus me deu foram os meus alunos e para mim é um prazer encontrá-los bem-sucedidos, eles sempre lembram das frases que eu dizia em sala como: “Deus é pai, mas a vida é madrasta”. Somos os únicos profissionais que pedimos “por favor” para fazer um favor, ficamos na sala de aula pedindo silêncio, com a maturidade a gente tenta fazer com o aluno amadureça mais rápido, no intuito deles despertarem mais cedo e não sofrerem tanto. Estou há mais de 26 anos na profissão e gosto muito do que eu faço, adoro ensinar literatura e língua portuguesa e inglês eu cai de gaiata no navio”, relatou.

O INGLÊS SE TORNOU SUA MARCA POR ACASO

Quando a professora foi convocada para sua vaga no concurso do estado de Pernambuco, ficou na Escola Cornélio Soares, na época a diretora a direcionou para a disciplina de inglês, Maria Aguiar quase desiste do emprego, pois sabia o básico e tinha medo de não conseguir dar aula. Mas o saudoso professor de matemática, Geraldo Silva, que faleceu em março de 2021 (relembre aqui),  a incentivou e acolheu a professora que estava recém-formada, com muitos medos e insegurança, dando força e mostrando que ela era capaz, Geraldo já tinha sido professor de Maria e sabia da sua capacidade.

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“Eu não escolhi inglês, eu sabia o básico de inglês, quando fui convocada pelo concurso que cheguei na escola a diretora da época disse que só tinha inglês, eu me desesperei, disse “meu Deus, como vou dar aula de inglês sem saber nada?”, aí professor Geraldo viu o meu aperreio e disse: “Você vai aceitar suas aulas e você é uma mulher honrada, você vai dar aula de inglês”, ele me deu a maior força, então voltei para casa para preparar essas aulas de inglês, não sabia o que fazer, lembrei que minha vizinha tinha um livro de inglês que se chamava ‘Novo Horizonte” e tinha um dicionário da Ediouro e nele vinha a pronúncia figurada do inglês, eu traduzia os textos e colocava na forma figurada, com os símbolos fonéticos, foi o que me salvou. Fui me virando alguns anos depois o CCAA veio para cá, então eu me matriculei e hoje eu acho que sou melhor em inglês do que era naquela época, no entanto o que mais gosto é literatura e português”, detalhou.

Contudo, Maria Aguiar tirou grandes lições ao assumir a vaga de professora de inglês, enfrentou seus medos e viu que é capaz de qualquer coisa. “Somos capazes de fazer até aquilo que nos julgamos incapazes. Professor ensina até o que achava que não sabia fazer. Hoje tenho muito ex-alunos fluentes na língua inglesa, excelentes profissionais que dizem que  eu que os inspirei, chega a ser assustador, claro que é uma hipérbole metafórica e paradoxal alguém dizer que aprendeu com alguém que achava não saber”, detalhou com emoção.

SEUS PAIS FORAM OS SEUS PRIMEIROS PROFESSORES

Vinda de zona rural, com dificuldades para escola alfabetizadora, quem a ensinou a ler foi sua mãe, que é uma analfabeta funcional, mas que prezava que os filhos soubessem ler e escrever. Seu pai sempre foi um leitor dos clássicos da literatura, só estudou até o final do ensino fundamental, tinha o desejo de estudar mais, no entanto não conseguiu. Maria Aguiar tem nele o exemplo de leitor, o que a inspirou a ler e gostar mais ainda da área das letras.

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“Sou da zona rural, mas meu pai sempre valorizou muito os estudos, lá em casa era mais fácil faltar comida do que o material de estudo, se tivesse que comprar um livro ele fazia questão de comprar. Eu aprendi a ler com minha mãe que é analfabeta funcional, ela lê mas não compreende, ela pegou uma carta do ABC e me ensinou a ler em menos de uma semana, ou eu aprendia ou aprendia, lembro que tinha um chinelo na mesa, se eu errasse as palavras era um ‘cipuada’ que levava. Meu pai fez até o ginásio, tinha muita vontade de estudar, só que não teve condições, mas era um leitor nato, conhecedor dos clássicos da literatura, uma vez eu confundi Euclides da Cunha com Graciliano Ramos e ele ficou horrorizado e indagou: “como é que você confunde esses autores? Euclides da Cunha foi quem escreveu “Os Sertões”, é do Rio de Janeiro, Graciliano Ramos é nordestino!”, eu fiquei morta de vergonha. Então esse gosto pela leitura eu peguei do meu pai”

DA FAZENDA VENEZA PARA O MUNDO

Maria Aguiar que sempre chega na sala com óculos escuros, calada, começa as aulas quase que timidamente, mas chama a atenção com sua dinâmica, sempre procura algo inovador para apresentar aos alunos. Reconhece quando os alunos são dedicados e estimula-os a seguir seus sonhos. Ela que veio da zona rural já conheceu boa parte da Europa graças ao seu trabalho e hoje com anos ensinando inglês reconhece que o idioma a fez ganhar o mundo. “O conselho que dou a quem quer ganhar o mundo: aprenda inglês e espanhol”, aconselhou, a professora ainda fala de sua maior realização como professora e nos deixa na espera pelo seu livro de memórias.

“Ver meu alunos desbravarem o mundo do conhecimento e ascenderem moralmente e socialmente é minha maior realização como professora. Coleciono várias histórias que me marcaram como docente, daria um livro de memórias, quem sabe um dia não as escrevo”, ressaltou.