Do UOL

Foto: Zanone Fraissat/Folhapress

Clientes que desapareceram, pagamentos que não vieram e a necessidade de mudar o rumo fizeram parte da vida de advogados ao longo da pandemia. O empobrecimento que já era realidade na área se agravou durante o período.

Dois terços da classe atuam de forma autônoma, sem vínculo formal com escritórios ou empresas, de acordo com a pesquisa Datafolha realizada em 2021 com advogados de todas as regiões do país.

A renda individual mensal média, segundo o levantamento, era de R$ 5.855, com 44% dos profissionais situados na faixa até R$ 2.500.

Dados do último Censo da Educação Superior do Inep-MEC mostram que, em 2020, havia 1.507 cursos de direito no país, com cerca de 125 mil formados naquele ano.

Para exercer a advocacia é preciso ser aprovado no exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), aplicado três vezes no ano. Hoje há mais de 1,2 milhão de advogados inscritos no país.

Ter esse registro era, para Osmar Quadros, 50, a chave para ter sucesso. Ao se formar em 2018, já com a aprovação no exame da Ordem, ele enfrentava dificuldades para conseguir sua clientela, quando veio a pandemia e agravou o cenário.

“Praticamente, esgotaram todas as possibilidades de ganhar dinheiro como advogado. Até começar a vacinação ninguém queria fazer nada e praticamente não atuei no primeiro e no segundo ano da pandemia”, diz o advogado previdenciário, que atende na própria casa, na região sudeste de São Paulo.

Casado, com um filho de quatro anos e com a dívida do financiamento da graduação, Osmar recorreu aos aplicativos de corrida, trabalho que fazia desde o curso e que se tornou a fonte de renda por três anos, apesar do diploma.

Nos grupos de motoristas, ele conta que há vários colegas de profissão e de outras áreas com dificuldades semelhantes.

O advogado conta que voltou a ter clientes só no final de 2021 e que, neste ano, deixou as corridas de aplicativo de lado.

Representantes da área de assistência social da OAB ouvidos pela Folha afirmam que profissionais recém-formados e veteranos que não se adaptaram ao uso das ferramentas tecnológicas foram os mais afetados.

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O coordenador da Concad (Coordenação Nacional das Caixas de Assistência dos Advogados), Eduardo Athayde Uchôa, diz que o fechamento de fóruns e tribunais impediu o trabalho de correspondência jurídica, pelo qual o advogado é contratado para fazer audiência, diligências, despachos e obter cópia de processos.

“Os advogados iniciantes sentiram de forma muito mais latente essa questão [da pandemia]. Sabemos que existe um grande número de advogados e de cursos jurídicos no Brasil, então já é muito difícil começar na advocacia. No contexto da pandemia ficou ainda mais complexo o início da atividade”, diz ele, que também preside a CAADF (Caixa de Assistência dos Advogados do Distrito Federal).
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No DF, foram entregues 72 toneladas de alimentos ao longo de dois anos por meio de uma caixa de alimentos com 24 itens selecionados.

Foi criado ainda um auxílio para advogados de baixa renda afastados por Covid, no valor de até três salários mínimos. Os benefícios também atingiram profissionais inadimplentes.

Em São Paulo, a solução encontrada pela advogada Fernanda Martins, 36, foi ampliar o rol de catálogos de produtos de beleza para revender para complementar a renda.

Especialista em direito penal e atuando também na área cível, ela conta que, só em 2018, dez anos após a graduação, conseguiu passar na OAB, mas segue enfrentando dificuldades.

“O problema na advocacia é que as pessoas não querem pagar consulta. Quando fecha o contrato, querem pagar só no êxito. Não veem que o advogado tem custo para dar entrada e ir atrás de documentos.”

Sem renda para o aluguel, Fernanda voltou a morar com a mãe e recorreu aos auxílios emergenciais oferecidos pelo governo federal e pela seccional paulista da Ordem: três parcelas de R$ 100 que poderiam ser solicitadas uma única vez pelos advogados à CAASP (Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo).

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Em 2020, a entidade pagou mais de 33 mil parcelas do benefício e cerca de 15 mil advogados de baixa renda receberam ao menos um pagamento, conforme a análise feita pelo órgão. São Paulo é a maior seccional da OAB, com quase 355 mil inscritos.

Para receber o chamado auxílio alimentar bastava assinar um termo de responsabilidade afirmando estado de carência econômica, sem a necessidade de estar em dia com a anuidade da ordem —que chega a quase R$ 1.000 —como é exigido para outros benefícios.

Entre 2021 e 2022, outras 20 mil parcelas de R$ 150 foram pagas. Criado pela gestão anterior, o benefício ainda está em vigor.

“Sem dúvida a pandemia impactou toda a sociedade principalmente no aspecto econômico e isso gera automaticamente um desgaste para a advocacia, que como prestadores de serviços jurídicos também sofreram impacto”, diz a presidente da CAASP, Adriana Galvão, que cita a adequação tecnológica como o segundo fator que afetou os profissionais.
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O advogado Wendel Andrade Menezes, 28, diz que fazia sucesso com o escritório especializado em direito do consumidor, aberto por ele em Belford Roxo, no Rio, em 2018, quando veio a pandemia, os clientes sumiram, a renda acabou e ele teve que fechar as portas e voltar a trabalhar no comércio dos pais.

“Foi uma série de fatores que acabou me derrubando. Nesse período eu pensei inúmeras vezes em desistir da advocacia. Para mim, foi uma bomba que explodiu”, diz.

A retomada veio no último ano, quando atuou no caso do desparecimento dos meninos de Belford Roxo. Neste ano o advogado passou a presidir a comissão de direito do consumidor do distrito e se prepara para abrir outro escritório.

Ricardo Menezes, presidente da CAARJ (Caixa de Assistência da Advocacia do Estado do Rio de Janeiro), diz que após dois anos de pandemia nem todos conseguiram continuar na área.

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“Não é que tenha melhorado a situação. Algumas pessoas foram buscar outras formas de sobrevivência: uns foram para o Uber, outros foram para outros segmentos. Muitos colegas deixaram de advogar por conta dessa pandemia”.

Desde o início da crise a instituição entregou mais de 10 mil cestas básicas, auxílio concedido também a profissionais inadimplentes.

Já o auxílio cesta básica, com até três parcelas de R$ 100, só pode ser solicitado por quem estivesse em dia com a anuidade. Ao todo, 920 pedidos foram deferidos até o momento. A OAB do Rio não informou quantos profissionais inadimplentes há no estado.

Dados de outras seccionais no país mostram que um dos enfoques nesse período, além do auxílio imediato, foi criar formas de negociação das anuidades em atraso, queixa comum no meio.

Sem o pagamento, o advogado pode sofrer sanções, ser cobrado judicialmente e fica impedido de usar os serviços da Ordem.

No Acre, a seccional diz que além de cestas básicas as anuidades de 2021 e 2022 tiveram valores congelados.

A unidade da ordem no Maranhão conta que houve desconto de juros e multas para anuidades atrasadas antes da pandemia e adiado o prazo de anuidades durante a crise. Advogados internados com Covid também receberam um auxílio hospitalar de R$ 1.000.

A OAB no Piauí afirma que foram entregues mil parcelas de R$ 200 para advogados e, para ajudar na empregabilidade, quatro cursos de pós-graduação foram oferecidos gratuitamente para mais de 6.000 advogados. Metade deles já concluiu a formação.

Em São Paulo, o percentual de inscritos inadimplentes chegou a 23% em 2021. Neste mês, a seccional lançou uma campanha de regularização para as anuidades de 2020 e 2021.

Segundo a tesouraria da seccional, 40 mil advogados que estavam com os pagamentos em dia se tornaram inadimplentes no período.