Fotos: Farol de Notícias/Max Rodrigues

Publicado às 05h27 desta quinta-feira (18)

Nessa terça-feira (16), a reportagem do Farol visitou e parabenizou Francisca Pereira da Silva (Dona Chiquinha) por comemorar seu aniversário de 97 anos, saudável e com uma lucidez impecável. Na ocasião, a equipe se deleitou com as memórias que ela carinhosamente compartilhou, sobre a infância, cultura local, culinária, e uma curiosidade sobre o bairro Bom Jesus.

Dona Chiquinha cresceu e passou a maior parte da sua vida numa fazenda na Malhada Cortada, em Serra Talhada, trabalhando na agricultura e na olaria. Aos 24 anos casou-se com o 2º sargento Marcelino Pereira da Silva, teve 5 filhos, 1 falecido, tem 5 netos e 2 bisnetos. A primeira memória que ela compartilhou com o Farol foi sobre um episódio que passou na fazenda que a levou a tomar a decisão de vir morar na cidade.

”Minha casa foi assaltada duas vezes quando eu morava na Malhada. Cheguei em casa e encontrei um ladrão dentro de casa e fiquei conversando com ele, ele querendo negociar e eu disse: você está assaltando minha casa e eu vou negociar o quê? Vinham 3 homens pegar água em um chafariz e eu disse a ele: você vai sair agora porque vêm 3 homens, mais que depressa, ele pulou a porta e saiu na carreira. Não tive medo, tinha uma proteção divina ao meu lado, foi o meu anjo da guarda que me guardou e esses homens que vieram. Por isso, eu sai da casa da Malhada e vim para a rua já faz uns 40 anos” relembrou Dona Chiquinha.

CULTURA

Durante o bate papo, naturalmente, ela relembrou alguns aspectos que fazem parte da Cultura de Serra Talhada, entre eles a tradicional Festa de Setembro, festas de carnaval das décadas de 40 e 50, outros festejos e ainda falou sobre a época da saudosa Vila Bela, especificamente sobre o comércio nesse período. Segundo ela, era uma época calma e boa. O comércio era composto pela feirinha na Praça Sérgio Magalhães, mercearias e lojas de tecidos.

”As festas da padroeira aqui de Serra Talhada eram muito lindas, tinha a zabumba para tocar na Igreja da Penha, e descia na Rua 15 e a Jazz tocava na Praça Sérgio Magalhães. As famílias todas reunidas nas barracas de palha de catolé, chega tinha aquele cheiro agradável. Tinha 3 barracas, a de Zé Sambra e duas de outras pessoas, e o povo ficava bebendo e palestrando. E as procissões, eu acompanhava todas com minhas filhas, quando elas não vinham de Recife eu ia com as sobrinhas,” relembrou continuando com as memórias do Carnaval e da boa música da Jazz:

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”No Carnaval daqui, na segunda-feira tinha as Cambindas, eram os homens todos vestidos de mulher, encaretados. No sábado era o Zé Pereira, tinha o Cariri no domingo e na terça-feira era só pulos e nos clubes, era muito animado o Carnaval dos anos 40 e 50. Teve uma festa aqui muito linda que o governador Agamenon Magalhães veio e achou a festa linda. Modéstia à parte, a Jazz daqui era uma das melhores do país porque não tinha uma Jazz melhor. Eram músicos tudo famosos, era João Antônio Cabecinha, Edézio, os irmão, eram músicos competentes, tocavam muito bem. A nossa Jazz era rica, nossa cultura era muito bonita, a gente tinha orgulho em tudo”.

MEMÓRIA DO CANGAÇO

Um fato sobre o cangaço marcou sua infância e acabou mudando o curso da sua história com apenas um recado enviado por Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, para Manoel Pereira de Carvalho, pai de Dona Chiquinha, marchante na época do cangaço.

”Na época de Lampião, a gente estava tão bem de vida lá na rua dos Correios, a gente morava ali, meu pai tinha duas casas, a noite uma era casa de jogo de baralho e durante o dia tinha o açougue. Eu com 12 anos saia nas terças-feiras com um bornazinho muito granfino que minha mãe fez pra mim para receber o dinheiro das carnes, nesse tempo não tinha assalto. Eu era quem tomava conta do negócio do meu pai, a gente estava tão bem, tão bem, isso em 1935”, disse continuando:

”Mas, tinha 2 soldados, Zé Pretinho e Zé Domingos, que gostavam muito da gente e pediram para ficar dormindo na casa de jogo e foram dizer a Lampião. Ele foi e mandou um recado para pai dizendo que qualquer dia vinha tomar um café, aí nós tivemos que se mudar. Minha mãe tinha um terreno na Malhada e nós fomos para a Malhada para evitar confronto. A gente também se deu bem, estava bom aqui na rua, mas no mato foi melhor.”

Suas memórias sobre as histórias do cangaço e sobre o recado enviado por Lampião ao seu pai fizeram com que Dona Chiquinha, apesar de dizer que o cangaceiro estava com a razão na questão com Zé Saturnino, ver também o lado negativo do ”Rei do Sertão”. Disse que ele marcou a história de Serra Talhada, mas a Capital do Xaxado também é berço de grandes personalidades.

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”Eu não sou muito Lampião, na história a razão foi dele, mas o que eu achava cruel era ele chegar numa fazenda matar aquela gente e tocar fogo, morrer bicho, morrer tudo, só nesse aspecto aí. Na questão dele com Zé Saturnino, ele foi uma pessoa que não queria aquilo. As pessoas faziam muita pergunta sobre Lampião e eu dizia: tem Lampião que tem o lado negativo, mas também tem os positivos, teve filhos de Serra Talhada como João Santos, Agamenon Magalhães, Arnoud Rodrigues e grandes personalidade, mas Lampião ficou na história. O povo só diz que a gente é da terra de Lampião, ninguém diz: ‘você é da terra de Agamenon’.

CULINÁRIA E RECEITAS

A boa memória de Dona Chiquinha resgatou uma receita especial de rocambole de carne com detalhes de como preparar a deliciosa iguaria. Uma receita muito conhecida na época que não havia eletricidade nos distritos era a famosa carne de lata. Mas ela não aprovou essa receita porque, segundo ela, é perigosa, uma vez que se não souber prepará-la pode até matar.

”Eu gostava muito de cozinhar, eu ainda tenho receitas na cabeça. As que eu mais gostava de preparar era galinha e rocambole de carne, eu fazia só com a pura carne. Pegava aquela carne bem boa, tirava aquela mantinha de carne para enrolar e comprava carne de porco para fazer o enchimento. Torrava, deixava esfriar, furava e temperava a manta de carne para depois enrolar, passava um pincel de manteiga com farinha e depois que enrolava colocava azeitona verde para dá muito gosto na carne e assava no forno, com  batatas forrando a forma para não pregar”, explicou e continuou falando sobre a carne de lata:

”Muita gente fazia aquela carne de lata, mas nós não gostávamos porque um vizinho que comprava material na olaria me contou que aqui morreu uma mulher que fez a carne, deixou com água e ela morreu. Só fazia quem sabia fazer, matavam o porco e torrava toda carne bem torrada para não ficar com água para não matar as pessoas, jogavam gordura e ali deixavam para comer o mês todinho.”

BOM JESUS E MEMÓRIAS DA ANTIGA VILA BELA

Além de mencionar sua contribuição na igreja da paróquia do bairro Bom Jesus, Dona Chiquinha contou que o nome do bairro foi sugerido pelo seu irmão, Expedito Pereira, e aprovado pela Pe. Jesus durante um almoço após uma missa.

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”Eu fui uma pessoa que ajudei muito na igreja no Alto do Bom Jesus e meu irmão Expedito foi para uma almoço depois da missa e lá na reunião estavam conversando para escolher o nome do bairro e Expedito disse: por que não bota o nome de Alto do Bom Jesus?  Na época, o bairro não tinha nome, só chamavam de alto. O Pe. Jesus era nosso sacerdote, estava no almoço e concordou com o nome, aí ficou Bom Jesus”, relembrou.

VACINA

Cerca de 15 dias antes de completar seus 97 anos, Dona Chiquinha tomou a primeira dose da vacina contra a Covid-19 e se sente muito feliz por isso. Já está na expectativa, ansiosa para tomar a segunda dose. Para ela, todos devem se orgulhar da vacina.

”Eu tomei a primeira dose faz 15 dias com um enfermeiro muito educado. Eu me senti muito feliz porque, na realidade, uma coisa que todos nós devemos ter é orgulho dessa vacina porque essa vacina, abaixo de Deus está salvando nós. Estamos vendo a situação de Manaus, eu tenho 2 netos lá, tiveram covid, mas os dois estão bem, Graças a Deus. Estou contando os dias para tomar a segunda dose, estou feliz.”

CONSELHO PARA LONGEVIDADE

A matriarca finalizou defendendo os hábitos saudáveis, sobretudo a boa alimentação, através da reeducação alimentar para se preparar para a velhice. Segundo ela, esse é o motivo que lhe ajudou a prolongar seus dias de vida, atingir seus 97 anos saudável, com boa memória, sabedoria, muito conhecimento e histórias fantásticas para compartilhar.

”Com uns 40 anos deixei de comer fritura, meu alimento era totalmente diferente, porque fritura não ajuda a ninguém, minha vida era essa, de regime, por isso que hoje estou aqui porque eduquei minha alimentação. A coisa melhor do mundo é você educar sua alimentação enquanto você é nova para se preparar para a velhice, foi isso que eu fiz. Eu aconselho qualquer pessoa: evite o que mais puder de fritura e refrigerante. Eu sempre me cuidei, mesmo vivendo na roça, trabalhando de sol a sol”, aconselhou dona Chiquinha.