Publicado às 13h deste domingo (2)

Coluna SAPIÊNCIA com PAULO BEZERRA*

*Mestre em Biodiversidade e Conservação pela UFRPE-UAST/ Bacharel em Ciências Biológicas pela UFRPE-UAST. / Coordenador do Grupo de Estudos em Ecologia e Conservação da Herpetofauna-GEECOH

 

Aoô Sapiens,

O cenário é desolador, terrivelmente angustiante e de causar comoção em qualquer ser humano. Eu poderia estar me referindo a uma paisagem de pós-guerra ou de um filme apocalíptico, mas é uma descrição real das tristes cenas da tragédia que se precipitou sobre o estado da Bahia. As inundações causadas pelas fortes chuvas no estado provocaram o aumento do nível de rios, enchentes, alagamento de ruas, destruição de casas, rompimentos de barragens e quedas de pontes, impactando severamente a vida de milhares de pessoas.

Nos últimos dias, chuvas torrenciais dignas de um diluvio caíram na região sul da Bahia afetando mais de 661. 208 pessoas. Segundo a Superintendência de Proteção e Defesa Civil da Bahia (SUDEC), até o momento, os temporais causaram a morte de 25 pessoas, deixaram 34.163 desabrigadas, 42.929 desalojadas e 517 feridas. O governo Baiano já decretou situação de emergência em 153 cidades. Sem dúvida alguma é o maior desastre ocasionado por fenômenos naturais da história recente da Bahia. Alguns meteorologistas – cientistas que estudam o clima e outros fenômenos atmosféricos – se pronunciaram e forneceram algumas explicações imediatas sobre os fatores e mecanismos que promoveram a ocorrência desse evento extremo. Contudo, não descartaram a influência das mudanças climáticas em escala global.

Os cientistas relataram que a ação de um conjunto de fatores parece ter sido a condicionante que promoveu o volume excessivo de chuvas. O principal fator responsável foi a La Niña. Vou apresentar essa ‘menina’ a vocês. A La Niña (‘irmã’ do El Niño) é um fenômeno climático natural cuja principal característica é a diminuição da temperatura das águas superficiais do oceano Pacífico tropical. Sua ocorrência gera inúmeras mudanças nos padrões de chuva e variações de temperatura ao redor do planeta. É considerada uma anomalia climática que surge sempre em intervalos de dois a sete anos. No Brasil, sua presença provoca chuvas intensas no Norte e no Nordeste.

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A meteorologista da empresa brasileira de meteorologia, Climatempo, Daniela Freitas, nos forneceu evidências para entendermos a situação climática por trás da tragédia na Bahia: “Foi uma junção de fatores que culminaram nessa tragédia o principal fator é a La Niña, mas as águas mais aquecidas no Atlântico também potencializaram a situação. O aumento da temperatura faz com que as frentes frias avancem mais lentamente, o que leva à formação de chuvas por mais dias consecutivos e em maior volume”.

A La Niña também está envolvida com o processo de formação das ‘Zonas de Convergência do Atlântico Sul’, as populares ZCAS, bastante conhecidas dos telespectadores que acompanham a previsão do tempo nos telejornais brasileiros. Essas ZCAS agem como um gigantesco corredor aéreo que carrega a umidade do sul da região da Floresta Amazônica até áreas centrais no sul do oceano Atlântico e transportaram a umidade da Amazônia até a Bahia, ocasionando as fortes chuvas que castigaram o estado.

A pesquisadora Naiane Araújo do Instituto Nacional de Meteorologia – INMET argumentou que o Brasil está vivenciando o auge da La Niña e por isso estamos experimentando esse aumento exacerbado do volume de chuvas no Nordeste. “A formação dessas ZCAS teve inicio em novembro, ou seja, a Bahia já vinha recebendo fortes chuvas há mais de um mês. Assim, os rios já estavam cheios e o solo bastante encharcados e não conseguiram absorver as águas desses novos temporais. Por isso, tivemos essa tragédia”.

Os cientistas não têm atribuído as causas dessa tragédia diretamente como um reflexo das mudanças climáticas em escala global. Todavia, a ocorrência de eventos extremos como essas chuvas torrenciais que caíram sobre o estado da Bahia estão aumentando de frequência cada vez mais ao redor do mundo. No Brasil, temos como exemplo o furacão Catarina que causou deslizamentos de terra e enchentes na região Sul, além de mortes e prejuízos econômicos.

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Em 2005, a região do sudoeste da Amazônia testemunhou uma das suas maiores secas em 100 anos. As comunidades que moram as margens do rio Amazonas sofreram graves perdas com os baixos níveis dos rios. Em 2009 o Rio Grande do Sul registrou um dos anos mais secos de sua história nos últimos 80 anos. A seca ocasionou à perda das lavouras de milho e outros grãos, além de impossibilitar a plantação de feno para o gado o que acarretou numa diminuição considerável para à produção leiteira.

A organização não governamental Christian Aid, divulgou um estudo recente que identificou 10 eventos extremos, cada um deles causando prejuízos bilionários. O relatório aponta que é provável que em 2021 catástrofes naturais globais provocaram deslocamentos em massa de pessoas, mortes e causaram um prejuízo em torno de 100 bilhões de dólares pela quarta ou quinta vez. A autora do relatório a pesquisadora Katherine Kramer relata que é difícil determinar e contabilizar o impacto financeiro em muitas das vezes, porém o impacto humano é sempre significativo.

“Obviamente, perder sua casa, seu sustento e tudo mais, e não ter os recursos para reconstruir isso é incrivelmente difícil. Por outro lado, se você tiver seguro, pelo menos você tem algum mecanismo para recomeçar.”

A Organização das Nações Unidas – ONU lançou em outubro de 2020 o Relatório sobre o Estado dos Serviços Climáticos 2020: Mudança de Alertas Antecipados para Ação Antecipada, por meio da Organização Meteorológica Mundial (OMM) da ONU. O documento destacou a necessidade de previsões baseadas em impactos — uma evolução na percepção de “como estará o clima” para “o que o clima poderá fazer”.

O objetivo é permitir que pessoas e empresas possam agir com antecedência, com base em alertas. O principal resultado do relatório mostra que em termos globais, nos últimos 50 anos, cerca de 11 mil desastres naturais relacionados ao clima ceifaram mais de dois milhões de vidas e causaram um prejuízo de 3,6 trilhões de dólares à economia mundial.

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Durante uma visita feita aos municípios baianos afetados pelas fortes chuvas, o governador da Bahia, Rui Pimenta e sua equipe de governo estimaram que os custos envolvidos na reconstrução das estruturas destruídas pelas inundações podem chegar a dois bilhões de reais. Esse valor seria correspondeste aos investimentos necessários para a recuperação de casas, rodovias, pontes e para cobrir os prejuízos de moradores e comerciantes que perderam móveis, eletrodomésticos e mercadorias em geral.

Estamos vivenciando uma crise climática sem precedentes e se os líderes mundiais não cumprirem à risca as promessas de redução das emissões de gases do efeito estufa, não conseguiremos cumprir as metas do acordo de Paris.  Tampouco, cumpriremos os acordos que foram assinados durante a última Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas – COP26 para frear o aquecimento global, o mais pronunciado evento resultante das mudanças climáticas e consequentemente a ocorrência de fenômenos naturais extremos.

Referências

BRASIL DE FATO. Entenda o que está causando as chuvas que deixaram o sul da Bahia embaixo d’água. https://www.brasildefato.com.br/2021/12/28/entenda-o-que-esta-causando-as-chuvas-que-deixaram-o-sul-da-bahia-embaixo-d-agua. Acessado em 31 de dezembro de 2021.

CNN BRASIL. Chuvas na Bahia já deixam 20 mortos; mais de 470 mil pessoas foram afetadas. https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/chuvas-na-bahia-ja-deixam-20-mortos-mais-de-470-mil-pessoas-foram-afetadas. Acessado em 31 de dezembro de 2021.

FOLHA DE SÃO PAULO. https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/12/chuvas-na-bahia-sao-reflexo-de-la-nina-e-aumento-da-temperatura-no-oceano.shtml. Acessado em 31 de dezembro de 2021.

MARENGO, José Antônio et al. Mudanças climáticas e eventos extremos no Brasil. Rio de Janeiro: FBDS, 2009.

ONU. Organização das Nações Unidas. Eventos climáticos extremos aumentam em frequência; relatório pede ação precoce. https://brasil.un.org/pt-br/95478-eventos-climaticos-extremos-aumentam-em-frequencia-relatorio-pede-acao-precoce. Acessado em 01 de janeiro de 2022.