Na mitologia grega existe uma mulher com o poder fenomenal de petrificar os outros. Medusa, como é chamada, assume sobre a cabeça uma madeixa de cobras, ao invés de tradicionais fios de cabelo. Conta-se que, antes de virar um monstro, a beleza dela era tamanha que chegou a provocar a azáfama de Poseidon, divindade detentora de um baita latifúndio marinho, famoso, bonito, porém, diriam as mais respeitadoras, casado. O castigo dessa traição, curiosamente, sobrou apenas para Medusa e foi outorgado por Atena, que, segundo reza a lenda, ficou morta de ciúmes quando soube do fato. Num belo dia, um rapaz conhecido por Perseu, com uma breve ajuda da rancorosa Atena, decepou a cabeça de Medusa.

Sob o efeito desse intróito místico, Serra Talhada parece, hoje, que caminha como Medusa, do extremo da beleza, da calma, da harmonia, para a antípoda do caos, da desordem, da monstruosidade. A população do município, após o Censo realizado no ano passado, atingiu 79.241 pessoas, representando um crescimento total de 8.329 habitantes a mais que no ano 2000. Atualmente, com o forte trânsito de estudantes vindos de outros municípios devido a instalação de faculdades e universidades na terra de Lampião, crê-se numa população flutuante de 100 mil pessoas.

Somado ao boom populacional, que aquece o mercado como nunca, hoje presenciamos uma cruel especulação imobiliária, a falta de estrutura de trânsito para suprir a crescente demanda de veículos, a expansão desordenada dos bairros, que aumentam sob as vestes da falta de saneamento básico, calçamento, iluminação, a elevação do consumo de drogas, principalmente do crack, e da prostituição.  São sintomas, que, pela forma que estão sendo tratados pelo poder público atualmente, demonstram que Serra Talhada vive um pseudodesenvolvimento. E que, como na mitologia da Medusa, vem perdendo a beleza, correndo o risco de ser consumida pelo avanço da violência, o Perseu disso tudo.

“Hoje presenciamos uma cruel especulação imobiliária, a falta de estrutura de trânsito para suprir a crescente demanda de veículos, a expansão desordenada dos bairros, que aumentam sob as vestes da falta de saneamento básico, calçamento, iluminação, a elevação do consumo de drogas e da prostituição”

Mas quem vira pedra nessa história? Nós, que estarrecidos com tamanha contradição, ficamos em dúvida se a melhor maneira de contribuir com a repaginação da cidade é através do pagamento de impostos ou do voto. No final, nos obrigam a exercer as duas opções, mas sem contrapartida. No entanto, existem algumas saídas de mobilização. Em 2001, foi instituída a lei que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Ela diz que as gestões municipais devem se basear nesta legislação para executar estratégias de melhoria de vida da população. Um dos principais pontos da norma é a criação do Plano Diretor, quando se projeta também um esboço de como deve ser a participação da sociedade nas discussões acerca do futuro da cidade.

A lei exige a promoção de audiências públicas e debates com a participação do povo e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa, incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação no legislativo da cidade. No entanto, nada disto está sendo feito. Em matéria divulgada pelo FAROL DE NOTÍCIAS, no dia 27 de março, sobre leis que nunca foram cumpridas na terra de Lampião, evidencia-se a que regulamenta a participação da população no processo de elaboração do orçamento. Atualmente ocorre o oposto. O documento chega pronto na Câmara de Vereadores direto da prefeitura, sem passar pela ausculta popular.

“A lei exige a promoção de audiências públicas e debates com a participação do povo e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade. No entanto, nada disto está sendo feito”

No quesito habitação e infraestrutura urbana, segundo dados da Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco (Condepe/Fidem), no ano passado, Serra Talhada contabilizou 28.141 domicílios e 8.229 deles não possuem abastecimento de água. Segundo o Detran, a frota do município em 2010 atingiu a marca de 21.730 veículos. Isto é, temos mais carros do que casas saneadas. Sobre o assunto transporte, a cidade necessita urgentemente de uma secretaria específica para tratar de uma crise que se avoluma pela falta de planejamento estrutural  de vias públicas, bem como o recapeamento de uma profusão de ruas. Hoje, o tema é matéria coadjuvante em meio as pastas do secretariado. Em Pernambuco, apenas nove cidades possuem um Conselho Municipal de Transporte. Serra Talhada não está entre elas.

Talvez, quando alguém, um dia, planejar agir diante dos problemas que avançam sobre a terra do cangaço, o que era belo, como a Medusa, poderá ter se tornado um monstro, e será tarde mitigar os efeitos ruins que isso venha causar. Às vezes, as mitologias apresentam várias versões para se contar uma mesma estória. Vai que o povo, dessa vez, sinta-se à vontade para escrevê-la, lance mão da sua espada e corte, de uma vez por todas, como Perseu, a cabeça das inúmeras Medusas que veem a Capital do Xaxado e seus 79.241 habitantes apenas como escopo de intenções fisiológicas.  Não vivemos um “oba-oba” como se divulga por aí. Nossos gestores estão perdendo uma bela oportunidade de mostrar trabalho, investindo em setores estratégicos para melhorar a vida da população.

 “Sobre o assunto transporte, a cidade necessita urgentemente de uma secretaria específica para tratar de uma crise que se avoluma pela falta de planejamento estrutural  de vias públicas, bem como o recapeamento de uma profusão de ruas”