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Foto: Farol de Notícias / Alejandro García

Do experimentalismo musical ao escracho do método acadêmico da banda Us’ast da Tua Lábia and The Honoris Causa estivem na redação do FAROL DE NOTÍCIAS para uma entrevista exclusiva. Conversamos com Tony Apolinário, Caio Sotero e Edvaldo Nóbrega, três dos cinco professores da UFRPE/Uast que inovam o cenário do rock n’ roll serra-talhadense com a criação da hipótese de um Rock Acadêmico, devidamente embasado em ousadia musical e de acordo com as normas da ABNT. Confira o bate-papo na íntegra e veja o vídeo da música Arrego a Hegel – Manifesto por um Rock Acadêmico. Clique aqui e ouça o álbum Adorno.

ENTREVISTA US’AST DA TUA LÁBIA AND THE HONORIS CAUSA

FAROL: Bom dia Us’ast, é um prazer recebê-los na redação do FAROL, somos fãs academicamente falando e agora musicalmente, mas a história musical de cada um dos integrantes é anterior a esse projeto. Como vocês começaram na música?

TONY APOLINÁRIO: Bom dia, eu estou na música desde o ano de 1994, trabalhando com bandas de som alternativo lá em Recife, começando com a Seu Zé. Uma banda influenciada pelo movimento Mangue Beat, que é extremamente forte na capital pernambucana. Depois continuei o trabalho com A Prosa e depois que essa coisa do entrecruzamento entre vida artística e vida profissional a gente caiu em Serra Talhada e veio cair aqui. E como a música pulsa nas veias, a gente montou uma banda com os professores e essa coisa tem sido muito interessante porque veio continuar algo que está há mais de 20 anos na minha vida.

CAIO SOTERO: Eu estou na mesma de Tony, participei do cenário alternativo de Recife. Primeiro com bandas rock n’ roll quando adolescente e acho que desde 2001 eu comecei tocando rock n’ roll em bandas de garagem. Depois tive a oportunidade de tocar com um colega que já era profissional em um projeto chamado Joaquim Zidro e o Espelho D’água, que era a banda que acompanhava. E aí gravamos CD pela Funcultura, DVD também. E participei de um projeto com Emerson Calado que foi baterista do Cordel do Fogo Encantado, chamado O Nome. Inclusive tem material disponibilizado no Youtube e também por motivos profissionais fiquei sem banda, meio órfão e encontrei os professores que me acolheram. Foi uma excelente oportunidade de dar continuidade a uma história que eu não consigo ficar sem.

FAROL: A Us’ast é conhecida como a banda dos professores da Uast, De onde vem o nome Us’ast da Tua Lábia and The Honoris Causa, um nome tão composto e repleto de significantes? E quem são os demais integrantes da banda?

TONY APOLINÁRIO: Os outros integrantes são o Edvaldo Nóbrega, que é o que faz teclados mugs e sintetizadores e é professor que Química. Eu sou professor da Filosofia, Caio é professor da Sociologia. Outro integrante é o Carlos Batista, conhecido como Carlão, que pe professor da física da Uast e é o baixista. O professor João Tenório, que é da Química e toca guitarra também. O João é músico de igreja, tocou em igreja e de repente a gente está profanando o João. E o outro é, meu Deus do céu, o grande músico de Serra Talhada, o homem das percussões rítmicas que é o Paulo Bezerra. E ele é o cara que toca com a Doppamina, toca com todo mundo e é o cara mais explorado da música, faz barzinho e ainda calha de tocar com a gente.

Com relação ao nome, eu me surpreendi de nós sermos chamados de a anda dos professores, acho muito bacana isso, não sabia. Mas o nome é uma coisa que primeiramente surgiu de um trocadilho com o nome da Unidade Acadêmica de Serra Talhada da UFRPE, que é a Uast. Então, a minha brincadeira com os meninos é: ‘Vamos chamar a banda de Us’ast’, tirando uma onda com isso e por que não brincar com esse nome, Us’ast. E aí eu fiquei tranquilo, para mim poderia ser só esse nome. Quando o professor Paulo de Letras, sempre foi um entusiasta da banda e disse: ‘Tony, eu cheguei em casa e nas minhas loucuras… você disse que o nome da banda era Us’ast e eu pensei… de Tua Lábia’ e eu disse que ficou bacana. Aí perguntei se ele permitiria e ele disse que claro e tal.

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Só que tinha que ter alguma coisa que Us’ast de Tua Lábia não dava conta do componente acadêmico. Inclusive em comunhão com o João, com o Carlos, com o Edvaldo há época, porque não Honoris Causa. Para a gente tirar uma onda, inclusive, com um dos objetivos fundamentais da banda que é conceder o título de doutorado honoris causa a maioria das pessoas. Até porque aqui tem uma defasagem de título triste. Mas a brincadeira surgiu aí em 2013 com esse nome quase que indecifrável que precisa de uma nota de rodapé para ser entendido, mas está aí. E como a gente tem esse outro nome, que é uma coisa carinhosa de quem escuta e quem curte, a banda dos professores.

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FAROL: O interessante é que a divulgação dos trabalhos da Us’ast na internet sempre traz um trocadilho com propostas acadêmicas, por exemplo: A única banda de acordo com normas da ABNT. Isso já faz parte da identidade da Us’ast hoje, como surgem essas sacadas que misturam a vida artística com a acadêmica?

CAIO SOTERO: Eu acho que a primeira questão que precisa ficar claro é que a gente se acostuma a fazer uma separação muito rígida entre arte, vida e trabalho. Como se uma negasse a outra. Dentro da proposta estética da Us’ast a gente vem querendo tumultuar, mostrar que essas separações são construções e que muitas vezes elas não valem a pena, porque o que nos representa são justamente esses pilares. Arte, vida e trabalho se confundem na vida da gente. Então, quando a gente brinca com a questão relacionada ao método, eu acho que a grande contribuição que a Us’ast está dando para Serra Talhada é a questão do método.

E a gente brinca com a questão do método acadêmico, mas a gente está construindo um caminho, mostrando que é possível levar com seriedade e não negando as outras esferas da vida. Eu acho que essa é uma das grandes contribuições, por isso que a gente também faz uso desse rigor, dessa questão sistemática dos instrumentos, das lógicas que estão na academia, mas que a gente se apropria e transfigura isso. A gente faz uma transfiguração pop do nosso cotidiano, da nossa vida.

FAROL: A sistematização, o método e a transfiguração do cotidiano também são utilizados para escolha do repertório?

TONY APOLINÁRIO: Eu arrisco uma interpretação para responder tua pergunta, porque vai muito do aspecto das influências que cada um de nós traz no seu bojo. Edvaldo tem uma influência musical X, eu tenho uma influência Y, e Caio… então, a banda tem uma gama muito grande de influências e confluências também. A gente às vezes a gente está conversando e pensa que gostamos das mesmas coisas e vamos aprendendo um com o outro coisas novas. Coisas novas que eu não escutava e aprendo com Caio, coisas que ele não escutava e aprende comigo, com Edvaldo, com Carlos, com João, com Paulinho. E o Paulinho agradece demais por a gente está sempre trazendo uma coisa nova. Então isso vai muito das nossas influências que nós temos do ponto de vista musical.

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E quando vê se refere a selecionar repertório e pensar repertório autoral ou repertório geral, você acaba me permitindo falar um pouco da própria história da Us’ast. Porque a Us’ast começa tocando cover, tocando rock da década de 50, a gente tocava Chuck Berry até Pearl Jam, até System of a Down, que é do momento. A gente cumpria uns 50 anos de rock n’ roll no repertório com muita tranquilidade. Mas a coisa do autoral foi tomando uma força dentro e o Carlos falava que ia ter uma hora que a gente ia começar a fazer autoral. Porque o Caio, eu, o Edvaldo, o próprio Carlos já tinha uma experiência com outras bandas que tinham trabalho autoral.  E não tinham como ficar só tocando cover, a gente tem algo a dizer.

CAIO SOTERO: Uma coisa que também me chama a atenção é a liberdade que a gente tem, a gente faz samba, a gente faz rock, a gente faz brega. A gente faz o que a gente quer. A gente mistura tudo isso para harmonizar, às vezes a gente junta todas essas parte. A gente está tendo uma liberdade artística e não está se prendendo e inclusive as nossas próprias referências. Tem totalmente um quê de experimentalismo, a gente está fazendo samba, usando instrumentos, inclusive com as referências que nós temos de Recife do Mangue Beat. Tony toca cavaquinho, Tony toca pífano na banda, a gente está fazendo a guitarra pesada. Eu acho que isso é fruto de, um muito entre aspas, amadurecimento nosso. A gente não quer ser colocado em um gênero específico, a gente quer se divertir.

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FAROL: Aproveitando a deixa do trabalho autoral, ao que me parece a criação do primeiro álbum da banda vocês acabaram de lançar o primeiro disco da Us’ast. Qual a emoção de gravar o primeiro CD da Us’ast?

TONY APOLINÁRIO: Plagiando um célebre cantor brasileiro, são muitas emoções. Eu vou dizer uma coisa a você, nossa. Esse CD surgiu da necessidade de registro, a gente ensaiando na sala da casa do Carlão, já vai em torno de 28 músicas compostas. A gente compõe música feito maluco mesmo, impressionante. A gente escolheu 13 músicas de 16 executadas, foi um… nossa senhora, se a gente não é uma democracia, meu Deus do céu. Mas são 13 músicas autorais, não há nenhum cover, são 13 músicas nossas. E para a gente é uma alegria danada de grande, de repente a gente se vê na necessidade de entrar em estúdio e gravar um CD, fazer um álbum conceitual. E como caio disse, por mais que possamos criar uma identidade musical por hora plural, o discurso me parece extremamente unitário, que é o que a gente chama de Rock Acadêmico.

O disco se chama Adorno, e ele é uma brincadeira com Theodor Adorno que é um dos grandes nomes da Escola de Frankfurt, uma escola de pesquisa social, ele é filósofo e sociólogo. E tem a coisa do adornar, do verbo, um certo emoldurar, um certo acariciar, de ser carinhoso, de tratar com adorno. Então, a gente está brincando com essas questões, se você pega a própria música título do álbum ela é exatamente que o que Caio fez com a filosofia de Adorno, tirou uma onda. É aquela coisa, eu nunca li Adorno, não sei nem quem é, mas uma grande chance de gostar do ponto de vista da letra, porque a letra não tem nada demais do ponto de vista hermético, difícil, não. Muito pelo contrário, ela é divertidíssima e ao mesmo tempo quem tem uma leitura vai sacar que ali por trás tem toda uma discussão filosófica da música. É essa a brincadeira de fazer Rock Acadêmico.

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A banda ao lado do responsável pelo Cangaço Rock Fest, Kacique Cândido (à dir.)

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FAROL: Para finalizar, como está a expectativa para o show no Cangaço Rock Fest e como vocês estão percebendo o festival, qual a importância dele para o cenário de rock alternativo em Serra Talhada?

TONY APOLINÁRIO: Eu me lembro de ver quando eu cheguei aqui na Uast, em 2011, dois rapazinhos na universidade, um magro de barba que eu costumava chamar de Rabino com um violão, o nome dele e Mateus e toca guitarra em uma banda massa chamada Doppamina. E aí eu vi um rapazinho de bandana, com uma camiseta do Moto Head, e aí eu fui chegando. No mês que eu cheguei ia ter um festival de rock n’ roll na praça da matriz. Quando eu cheguei estava tocando a Doppamina, esses meninos estudam na Uast, o Cangaço Rock Fest o primeirão. Aí assim, existem possibilidades em Serra Talhada, aquilo foi uma injeção de ânimo para quem faz rock alternativo, maravilhosa.

O Cangaço Rock Fest hoje não é só mais um movimento de resistência de uma galera, ele já tem uma afirmatividade clara e nítida. Muito do trabalho minuscioso, do esforço descomunal, do esforço de Igor, que todo mundo conhece como Kacike. É como Cario estava dizendo, a gente só chegou até aqui e pode chegar mais porque têm pessoas como ele que nos permitem espaços dessa magnitude como é o Cangaço. E a gente sabe o potencial que tem porque já demonstra, para nós é uma maravilha poder tocar no Cangaço e poder fazer parte.

CAIO SOTERO: Eu gostaria de acrescentar que vamos realizar o I Fórum sobre atual cenário alternativo do Sertão Pernambucano, e a princípio pensamos em uma palestra, mas já temos tantos espaços para fazer isso na universidade, então vamos fazer um fórum. E a ideia do fórum é que possamos aglutinar o maior número possível de músicos e público da região e daqui de Serra Talhada para que a gente construa um documento coletivamente para que dê o suporte para a gente buscar essas alternativas que a gente está precisando. No sentido de fazer um cenário cada vez mais profícuo, que sirva para a gente buscar financiamento no poder público em geral. Então, o fórum será justamente a oportunidade de construir esse documento coletivo que dê conta dessas nossas necessidades, não só de Serra Talhada, mas da região.

Com a equipe do FAROL DE NOTICIAS

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