Quem conheceu a Serra Talhada das décadas de 60 e 70 ainda guarda recordações poéticas de como eram as relações entre os habitantes da cidade. Mas o município cresceu e com esse desenvolvimento houve muitas mudanças. A praça Sérgio Magalhães, por exemplo, não guarda quase nada do seu passado. Casarões foram demolidos e a maioria dos estabelecimentos comerciais foram vendidos ou alugados a grupos econômicos de fora da cidade.

Apenas duas familias ainda resistem à “invasão mercadológica”  mantendo suas lojas com o mesmo ar de antigamente, e, por isso, continuam atraindo a clientela e marcando a história do município. A Casa Penha, com cerca de 60 anos de atividades e a Loja Aury Tecidos, que completou 50 anos em julho passado, dão exemplos de que o passado pode, sim, ser motivo de atrativo para motivar clientes.  “Mantenho a mesma estrutura organizada  pela minha mãe. Tenho muito orgulho disso”, disse Auricélia Andrada, proprietária, de uma das lojas. A Aury Tecidos foi administrada durante muito tempo pela”Dona Bé”, mãe de Maninha que faleceu há 6 anos. O ponto forte da loja é trabalhar como antigamente, vendendo tecidos ainda na peça. 

O estabelecimento não tem Sistema de Proteção ao Crédito (SPC) ou vínculo com a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e tudo ainda funciona na base do fichário. Atualmente a loja possui cerca de 150 clientes fiéis e dois funcionários. “Aqui existem clientes que compravam com a minha mãe e hoje trazem seus filhos e até netos para se vestirem com os nossos tecidos”, afirma “Maninha”, com orgulho. Aliás, ela tem um código todo especial que geralmente é utilizado com a Cristina, gerente-proprietária da Casa Penha, para identificar os maus compradores. “Temos sinais entre nós da loja para sinalizar que determinado cliente não é bom”, disse Maninha, revelando como funciona o “SPC” por ali. 
 
Casa Penha

A história da Casa Penha também demonstra a resistência e a paixão de uma família que faz questão em manter às portas abertas e não se render ao “capital invasor”. O comércio teve início com Luiz Gomes de Sá, foi entregue a Modesto Sá e está há 30 anos nas mãos de Cristina Rodrigues de Sá. “Meu avô (Luiz de Sá)  foi o primeiro alfaiate de Serra Talhada. Meu pai (Modesto) seguiu na mesma linha. E continamos com a mesma estrutura daquela época”, detalhou Cristina, emocionada.

A Casa Penha trabalha com a venda de chapéus, colchões, plásticos e outros materiais. E mantém no seu interior uma raridade: a mesma máquina registradora, que funciona desde a fundação da loja. Segundo Cristina, para conhecer os clientes não é preciso baixar a ficha eletrônica deles em computador,  ” por que nós já conhecemos todos os nossos clientes. Cerca de 150″, disse Cristina.
 
Não aos assédios
 
Maninha e Cristina cultivam a certeza que irão manter suas lojas como estão, à moda antiga. Mesmo diante das constantens pressões de grandes grupos de fora da cidade para que elas vendam os estabelecimentos e reformulem  estrutura das lojas.

Maninha e Cristina também testemunharam o fechamento de todas às lojas do entorno da praça Sérgio Magalhães. “Recebi proposta para fazer da Casa Penha uma franquia de uma empresa de colchões. Mas desisti”, revelou Cristina Rodrigues. Já a Aury Tecidos, também localizada no coração da praça, foi alvo de uma proposta mais ousada. “Recebi proposta para vender o prédio com tudo”, disse Maninha, justificando a negativa:

“Não tenho necessidade de tanto dinheiro. Durmo bem, pago as minhas contas em dia e viajo uma vez por ano”. Com este pensamento, a Aury tecidos vai muito bem, obrigado, mantendo o mesmo padrão . Apenas uma coisa é diferente. ” Sinto falta do tempo em que ninguém queria tomar o espaço do outro”, finaliza Maninha Andrada.

Fotos: Roseli Vieira de Araujo