Hoje, os mais jovens devem sentir dificuldade em reconhecer a Capital do Xaxado como baluarte do cinema no interior do Estado. Mas houve, de fato, um tempo em que a população de Serra Talhada frequentava salas de cinema com devoção.
 
Para se ter uma ideia, no início da década de 50, o município preservava duas salas cinematográficas, Cine-art e Cineplaza, e, que viviam lotadas nos dias de exibição. Dentro deste tema, o FAROL DE NOTICIAS conta a história de Raimundo Santana, um dos poucos representantes ainda vivos que trabalharam nas salas de cinema de Serra Talhada.
 
Hoje com 70 anos, Seu Raimundo, que não gosta de ser fotografado, desvela o passado com carinho e percebe, sereno, que dedicou grande parte do seu tempo a anunciar os nomes das películas que seriam exibidas no Cine-art. Este cinema corresponde hoje a um prédio de festas próximo a concha acústica, na região central da cidade. E teve como primeira sede todo um quarteirão, compreendendo onde atualmente é a Farmácia Tupan até a Praça Sérgio Magalhães, com capacidade para 500 pessoas.
 
Aos 15 anos de idade, Raimundo Santana abraçou a oportunidade de trabalhar como projetor de filmes. E assim pegou gosto pelo ofício. Inaugurado em 1952, foi em 1955 que o Cine-art conheceu a astúcia de um garotinho franzino, de olhos fundos, tímido que, aos poucos, foi mostrando toda a pujança das suas cordas vocais anunciando as películas que seriam exibidas na sala de projeção. “Primeiro eu fazia o anúncio num carro de som, saía rodando a cidade. Estacionava numa esquina e via as pessoas parando para ouvir a novidade da semana”, relembra Raimundo Santana.
 
Como de costume o cinema lotou. Casais de namorados aproveitavam para trocar afagos, um grupo de amigos trocava piadas, outros trocavam gibis. De repente, um trovão avançou sobre a sala de projeção dizendo: “Hoje, no Cine-art, cinemascope colorido, filme Tarzan, com Johnny Weissmuller.” Era Seu Raimundo. Então a luz apagava levando consigo todo o ruído da sala. E o filme ganhava vida nos olhos do público.

 MEMÓRIA 

Raimundo Santana contabiliza mais de 1000 filmes anunciados e projetados por ele no Cine-art. “Era bom demais. Sempre lotava e várias vezes eu tive que fazer duas sessões por dia do mesmo filme”, conta. No intuito de avisar aos habitantes do município que a hora da sessão se aproximava, o Cine-art abrigava uma sirene. Seu Raimundo, diligentemente, acionava o aparelho que causava o maior alvoroço no município.
 
“Teve um dia que trouxeram de São Paulo uma corneta poderosa. Quando chegou a hora de anunciar o filme eu dei corda nela e o som foi tão grande que causou medo e veio gente lá do bairro da Bomba desesperada pensando que era o fim do mundo”, relembra Santana, dando uma gargalhada. “Depois me disseram que o senhor José Olavo de Andrada, que estava de cama, quase morre do susto”, completou.
 
O presidente da Fundação Casa da Cultura de Serra Talhada, Tarcísio Rodrigues, foi contemporâneo das salas de cinema Cine-art e Cineplaza. Ele conta que era comum ver, em dias de matinê, o alvoroço das crianças à espera das películas. “Quantas e quantas vezes ficamos sentados na calçada do Cine-art à espera do filme, que estava atrasado. Esperávamos Raimundo que havia de deslocado até a estação ferroviária para buscá-lo”, recorda. Os filmes viajavam de trem de Recife até Serra. “Sabíamos a duração do filme pela quantidade de latas. Sem contar que os filmes eram em inglês, legendados. Praticamente aprendemos a ler no cinema.”

As pessoas que acompanharam o apogeu cinematográfico da terra de Lampião guardam consigo, hoje, os bons frutos gerados pela experiência. Assim, através de filmes, Raimundo conseguiu projetar sonhos na mente de crianças e jovens da região. 

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Flash Gordon, Perdidos no Espaço, Fu Ma Chu, Os Perigos de Naiwoaka, Capitão Marvel, Os Dois Moleques Mexicanos foram alguns dos filmes exibidos por Raimundo Santana. “Às vezes o povo saía chorando de emoção”, revelou.
 
 
Da herança do trabalho como projetor de filmes, Seu Raimundo continuou apenas no ramo da propaganda-volante, agora, divulgando marcas de empresas, festas e velórios. Hoje, é comum vê-lo, pelas ruas da cidade, agarrado ao microfone equalizando sua voz para anunciar algo.

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Entre os maiores dilemas do novo ofício, segundo ele, foi ter anunciado a morte da própria sogra. “É por que eu gostava mesmo dela”, confessa. Uma de suas maiores preocupações hoje é saber se vão anunciar em carro de som o seu falecimento. “Eu penso muito sobre isso. Já tentei até deixar algo gravado sobre mim. O problema é que não dá para dizer nem a hora nem o local da minha morte”, disse, cabisbaixo.

Infelizmente os cinemas de Serra Talhada chegaram ao fim. Ele não sabe dizer com certeza o por quê da extinção, mas acha que foi devido ao advento da televisão, que invadiu, a partir de 1950, os rincões do Brasil transformando o gosto da população do interior.

Hoje, poucas cidades do Sertão pernambucano, como Afogados da Ingazeira, depois de uma ampla reforma com apoio do poder público, conseguiram reabrir o cinema do município.  

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Importante frisar também que, no Seminário Todos por Pernambuco, realizado no mês de março em Petrolândia, no Sertão de Itaparica, a população exigiu do governador Eduardo Campos políticas de restauração dos antigos cinemas da região. 

Seu Raimundo garante que sente muita saudade do tempo em que se preocupava apenas em preparar a projeção e o anúncio dos filmes e que, se pudesse, ainda estaria trabalhando no ramo.