“Cachoeira” está em Serra Talhada, mas repaginado: deixou o bigode crescer, a barriga também. O cabelo ficou grisalho e a visão cedeu aos abraços de um óculos. O paletó e a gravata, que se fizeram tanto exibir pela TV, foram trocados por sandálias japonesas, bermuda e camiseta. “Cachoeira” parece mesmo mudado. Foi visto em Serra Talhada, muito longe dos afazeres duvidosos que o acabaram jogando no banco dos réus após revelações que levaram à abertura de inquéritos no STF, STJ e na Justiça Federal de Goiás e à criação de uma CPI no Congresso.

Ele agora sobrevive produzindo réplicas de chaves, costurando sapatos, bolsas, gibão, consertando panelas de pressão, alicates, fogão e ainda vendendo 80 CDs, todos originais, de artistas como Luiz Gonzaga e Erasmo Carlos. Foi batizado João Batista da Silva, 59 anos, e assume a honestidade como lema de vida. “Não tenho nada haver com aquela confusão toda em Brasília”, diz. “Na verdade, eu acho que aquilo tudo vai dar em pizza. Ninguém vai resolver nada, mas se mandar para cá, o Cachoeira aqui resolve”, avisa, apontando para chaves e sapatos em paredes e no chão.

CACHOEIRA: "É PRECISO TRABALHAR COM HONESTIDADE"

Se já foi vítima de brincadeira com o Cachoeira de Brasília? “Ave Maria, não tenho nada haver com aquela confusão”, responde, com rapidez. O Cachoeira de Serra Talhada é diferente. Ganha a vida há 45 anos trabalhando sem suspeitas ali, pertinho de todo mundo, na esquina da loja Majestosa, no Centro da cidade. Na infância, foi menino de rua e ajudava uma mulher deficiente a pedir esmolas empurrando-a em um carrinho de mão. “Nós rodávamos a cidade inteira e, no final do dia, ela me dava uma parte do apurado”, lembra o Cachoeira do Sertão, revelando o segredo:

“O apelido do marido dela era Cachoeira. Mas o povo da rua me via tanto com a aleijada que acabaram colocando o apelido em mim. E olha que eu era criança, tinhas uns 6 anos. O apelido ficou até hoje”, conta, com bom humor. Aos 12, Cachoeira começou a trabalhar consertando sapatos. Depois foi aprimorando os saberes e, atualmente, garante: “Eu hoje faço de tudo”. O Cachoeira de Serra Talhada trabalhou tanto que não foi à escola. Mas batalhou e aprendeu a ler sozinho. Mesmo com pouca educação, sabe que na vida é preciso ter caráter. Honestidade não é matéria nos bancos escolares, entende. Mas o de Brasília estudou tanto…  

 SOBRE O CACHOEIRA DE LÁ

Em fevereiro de 2012, a operação Monte Carlo, da Polícia Federal, revelou as íntimas relações do bicheiro Carlos Cachoeira com influentes políticos do Centro-Oeste, tanto da oposição como da base aliada. O senador goiano Demóstenes Torres (ex-DEM), figura de proa da oposição, foi o primeiro atingido. Uma série de gravações apontou que um dos mais combativos políticos do Congresso usava sua influência e credibilidade para defender os negócios de Cachoeira em troca de ricos presentes.

Os grampos da PF também complicaram parlamentares de pelo menos seis siglas (PT, PSDB, PP, PTB, PPS e PCdoB), dois governadores (o petista Agnelo Queiroz, do Distrito Federal, e o tucano Marconi Perillo, de Goiás) e a Delta, de Fernando Cavendish, empreiteira com maior número de obras no PAC. As revelações levaram à abertura de diversos inquéritos no STF, STJ e na Justiça Federal de Goiás e à criação de uma CPI no Congresso, presidida por Vital do Rêgo (PMDB-PB) e relatada por Odair Cunha (PT-MG).