Por Tarcísio Rodrigues, presidente da Fundação Casa da Cultura de Serra Talhada.

“De repente polêmica e mais polêmica envolvendo a nossa tão querida e tradicional festa de setembro. Críticas explodem de todos os lados, outros partem em defesa, e assim, como num passe de mágica, a cidade para um pouco o seu trivial cotidiano político e passa a viver em torno da Festa de Setembro, ou festa de N.S. da Penha, padroeira da cidade. Uma festa que pelos 223 anos de existência é, sem dúvida, um marco em toda região. Mas não é sobre as polêmicas da festa que quero falar. Quero em verdade relembrar fatos e momentos tão bem vividos nesta nossa festa.

Qual o serratalhadense que não tenha um causo a ser contato desta época? Qual serratalhadense não guarda na memória um momento especial, uma música que marcou, um amor que nasceu… ou que partiu? A polêmica de hoje serve apenas para lembrar-nos que éramos felizes e não sabíamos. Na minha época, nunca paramos para nos preocupar com a grade de artistas que o poder público ia trazer para festa, até porque não existia isso. Não existiam palcos na praça e muito menos camarotes. Existiam sim, barracas com suas vitrolas tocando cada uma os seus discos, e mesmo sem se combinarem, acabavam elegendo uma música que marcava o resto do ano.

E existia o som potente do parque Lima, com a voz impostada e grave de um locutor que anunciava os últimos sucessos, e a festa rolava. Barracas de lona e palhas se espalhavam por toda Praça Sérgio Magalhães. Pessoas se apertavam para subir e descer a mesma, desfilando suas roupas novas, compradas boa parte no Armazém Alvorada. “Última moda” garantia seu Gilberto Carvalho, proprietário da loja, “e só veio duas dessa, uma é sua”; convencia o freguês na venda de uma camisa. Somente depois, à noite, é que o freguês se dava conta de quantas camisas iguais seu Gilberto havia vendido, eram centenas, todo mundo vestido igualzinho, parecia um time de futebol. Mas ninguém se importava com isso, cada um se achava mais atraente que o outro e se divertia a valer, bebendo cervejas que nem sempre eram estupidamente geladas nas barracas; e no ar, o aroma de “contourrê”, o perfume da moda.

Ainda hoje quando sinto este perfume, faço uma viagem no tempo e vou direto para as Festas de Setembro dos anos 70. Os sons e o cheiro daquela época são inconfundíveis… “quanto sinto em dizer-te, que me podes desprezar, logo logo sei que devo deixar-te, já não posso mais sonhar…” A voz de Márcio Greyck ainda soa forte, e acredito que muitos da minha geração, ainda tenha esta música martelando na sua cabeça. Bons tempos aqueles. Em vez de bandas tocando no meio da praça, à meia noite no CIST e na AABB começavam os bailes, que se diga de passagem, eram concorridos. A sociedade local se apressava em comprar suas mesas para os três dias de festa; isso mesmo, a festa nos clubes aconteciam nos dias 5, 6 e 7, e pasmem! Quase nunca com artista de fora. As atrações eram, na grande maioria, das vezes nossas mesmas: Edésio e seus Red Caps e os Côngruos é que davam as cartas.

A criançada se divertia em brinquedos menos sofisticados. O que se escutava era os gritos da meninada no balançar pendular das canoas, e não o freio estridente de um barco “viking” gigante, levando dezenas de pessoas. Nas canoas só cabiam dois passageiros. O ondular da “onda”, armada em frente ao Armazém Alvorada, dava uma sensação gostosa, um friozinho na barriga das menininhas, que a elegiam como o brinquedo preferido. Já os namorados corriam para roda gigante; lá no alto, longe das vistas dos curiosos e sob o vigilância da cruz da matriz da Penha, aproveitavam para se beijar.

E assim a festa ia rolando… Ia passando e deixando suas marcas. Marcas que carregamos conosco e que nunca vão se apagar. Se existia polêmica, era lá nos bastidores. Nós, simples mortais, não sabíamos de nada, apenas curtíamos a festa pagã, com suas barracas e parques; e lá na igreja a Festa da Padroeira, onde os fogos de dona Mara davam um brilho especial a cada noite. No encerramento, em vez de cantores na praça, a voz carregada de sotaque do velho vigário espanhol, Padre Jesus gritando louvores: “Viva Nossa Senhora da Penha!”, e o povo respondendo “Viva!”. E viva mesmo, independente de tantas polêmicas.”