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Segundo Dierson, o dia municipal da Cultura como referência ao dia do nascimento do poeta Emygdio de Miranda

Fotos: Farol de Notícias / Alejandro García

Reportagem: Paulo César Gomes

Hoje, excepcionalmente, estamos publicando mais uma matéria da série “Histórias Perdidas”, isso porque é nessa data que comemoramos o dia municipal da cultura. Conscientes do nosso dever de investigar os episódios que são deixados de lado, justamente por aqueles que têm a obrigação de preservar a memória e de estimular a cultura de Serra Talhada, estivemos mais uma vez ao lado de Alejandro García, repórter fotográfico do FAROL, atrás da origem da comemoração.

Para compreendermos melhor a trajetória que levou o dia 05 de agosto a ser definido como data máxima da cultural local, visitamos o professor e ex-presidente da ASL – Academia Serratalhadense de Letras, Dierson Ribeiro. Segundo Dierson, a data tem como referência o dia do nascimento do poeta Waldemar Emygdio de Miranda, mais conhecido com Emygdio de Miranda. “Sou um entusiasta da obra Emygdio de Miranda. Acho que a cidade deveria fazer mais homenagens a ele. Por isso, procurei o então vereador, Ari Amorim (1997/2000), com a ideia de um projeto para torna do dia 05 de agosto o dia municipal da cultura”, explica Ribeiro.

Ainda de acordo com o escritor, alguns parlamentares chegaram a se opor ao projeto. “Teve vereador que chegou a dizer que Serra Talhada possuía muitos políticos de renome e que a data deveria ser em homenagem a um deles”, relata o professor. Apesar da rejeição inicial, o projeto de lei acabou sendo aprovado. Dierson Riberio – que tem como patrono na ASL Emygdio – espera que a data seja lembrada com mais ênfase, bem como a obra e a vida do poeta, que muito bem poderia ter ser seu nome dado a uma escola, rua ou órgão público.

LAMPIÃO E A ESTAGNAÇÃO DA CULTURA POPULAR

Lampião é sem dúvida o grande atrativo cultural da cidade. A história que envolve o Rei do Cangaço atravessa os limites do país, e por isso, é mais do que justo de que se explore tudo de bom que o fascínio que Virgolino Ferreira da Silva exerce sobre as pessoas. O mais controverso dos serratalhadenses é tema de centenas de livros, cordéis, matérias de jornais e revistas, filmes, pesquisas acadêmicas e outras infinidades de trabalhos, o que torna a propagação do assunto uma ótima porta de entrada de negócio para cidade.

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No entanto, é preciso que se destaque que são poucas as iniciativas que visam o estimulo de outras práticas culturais. Somos a segunda maior cidade do Sertão pernambucano, com um potencial artístico ímpar, mas não existem projetos para garimpar ou lapidar novos talentos. Para se conquistar um espaço diferente na cidade é preciso coragem e teimosia. Pois, os órgãos que deveriam promover a cultura da cidade se perderam no tempo e no espaço. Muitas são as reclamações sobre a atuação da Secretaria Municipal de Cultura e da Fundação Casa da Cultura, que hoje parecem duas irmãs siameses separadas, abruptamente na hora do parto, mas que estão na profunda inércia.

 

Ao mesmo tempo, os artistas são rotulados de “artistas da terra”, o que para alguns é mais uma forma pejorativa do que um reconhecimento. Recentemente o cantor Rai di Serra fez a seguinte revelação em um programa de rádio, “um produtor cultural renomado da cidade disse que somos como minhoca, por isso somos artistas da terra, essa é imagem que fazem da gente”.

O que melhor demonstra a atual situação é o fato de que eventos como Fecust (Festival de Cultura de Serra Talhada), Mostra de Teatro, Mostra de Cultura nos Distritos, Festival de Música, Festival de Repentistas e outros projetos, já não são realizados há anos. Oficinas de teatro nas escolas, exposição de pinturas e fotografias, são movimentos inexistentes, e quando ocorrem, são promovidos por iniciativas pessoais ou por entidades de fora da cidade.

Outros exemplos são: a recente reclamação do grupo de capoeira que não encontrou apoio para realizar seu encontro e a ausência de um Teatro Municipal. Salientado que o Teatro é uma das maiores bandeiras da classe, um local chegou a ser alugado para esse fim, mas pelo jeito acabou virando apenas um depósito (Foto acima).

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EMYGDIO DE MIRANDA, O “VATE PEREGRINO”

emygidio(1)Waldemar Emygdio de Miranda nasceu na cidade do Recife, em 05 de agosto de 1897. Seus pais foram o professor Auxêncio da Silva Viana e sua esposa D. Maria dos Passos de Miranda Andrade, que se fixaram em Serra Talhada, abrindo uma escola na sua residência, na Praça Sérgio Magalhães, tendo tal fato acontecido no princípio do século passado até mais ou menos o ano de 1920. Emygdio viveu na cidade até os 18 ou 19 anos de idade.

Ainda jovem entregou-se ao vício do álcool, sem abandonar, portanto a poesia, e passou a peregrinar pelas cidades do interior pernambucano, como Triunfo, Arcoverde, Caruaru, a capital Recife e Princesa Isabel, na Paraíba, o que lhe deu o carinhoso apelido de “Vate Peregrino”. Foi amigo de alguns dos mais importantes coronéis da politica da época, entre eles, Cornélio Soares e José Pereira.

Com a sua poesia encantou dezenas de pessoas, conquistando o respeito e muitas paixões. O poeta não teve o prazer de ver suas obras publicadas, faleceu em 29 de agosto de 1933, aos 36 anos de idade, pobre e abandonado, em Arcoverde (na época Rio Branco) onde foi sepultado. Após a sua morte os amigos reuniram alguns desses poemas e publicaram nos livros “Rosal” e “Rosa da Serra”.

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ALGUNS DOS MAIS BELOS POEMAS DE EMYGDIO DE MIRANDA

A um burguês

Tu ventrudo burguês analfabeto,
Escultura rotunda da Irrisão
Para quem um viver mais limpo e reto
Consiste em ser avaro e ter balcão;

Tu que resumes todo teu afeto
No dinheiro – o metal da sedução
Pelo qual negocias, abjeto,
Tua esposa, teu lar, teu coração;

Escuta oh ignorantaço o que te digo:
Esse ouro protetor, que é teu amigo,
Que te deu o conforto de um Pachá,

Pode comprar qualquer burguês cretino,
Mas a lira de um vate peregrino
Não compra, não comprou, não comprará!

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Esta que passa

Foi minha amante esta mulher que passa…
Sorveu-me em beijos todo o meu ideal!
E comigo bebeu na mesma taça
O vinho do desejo sensual…

Muito tempo possuímos nós, sem jaça,
A gema da ventura triunfal!
Mas um dia partiu… E ei-la devassa,
Bracejando no pélago do mal…

Quando ela passa, eu vejo na tristeza
De seu olhar de erótica beleza
Todo o brilho da orgia da desgraça…

E não posso ficar indiferente,
Só porque afinal, infelizmente,
Foi minha amante essa mulher que passa…

 

Toda de branco

Toda de Branco vai entrar na Igreja…
Traz a palma e a capela do noivado;
Por isso não é de admirar que esteja
O velho laranjal despetalado.

Deus que é pai, Deus que é bom, Deus a proteja!
Porque nunca ela teve um só pecado…
Sua alma é como a própria sombra, alveja
Hóstia de armindo em cálix nevoado!

É pura, e no entanto amou um dia!
Alguém a teve trêmula nos braços,
Trêmula e branca! Virginal e fria.

Mas hoje é noiva. Afortunada seja!
Mulher de outro por sagrados laços,
Toda de Branco vai sair da Igreja.

A Senhora
Ao Primoroso Cônego Antonio Andrade

Soberba, no silêncio augusto das grandezas,
Loucada do esplendor, das grandes majestades;
Sentinela gigante, a perscrutar reveze,
Feita da veztudez de todas as cidades

Perde monja a rezar, contemplando cidades,
Irmã do vale e o rio irmã das correntezas;
Afrontando o tufão, barrando as tempestades,
– Berço altivo demais para embalar baixezas.

Serra, teu alcantis, teus píncaros selvagens,
Teus profundos desvãos, tuas grandes folhagens,
Sangram meu coração numa amargura estranha…

Sim! Porque de um penhasco em dia de invernada,
Eu vi tombar, rolar, a minha doce amada.
Indo morta cair aos pés de ti, montanha…!