Do Folha de Pernambuco

 

Pernambuco foi palco de uma cirurgia inédita no Brasil e na América Latina. Na última quarta-feira (13), o Instituto SOS Mão, fundado pelo Hospital SOS Mão e Ortopedia, especializado em cirurgia da mão no Nordeste, realizou uma cirurgia de transplante autólogo de mão, ou autotransplante, quando é transplantada a mão para a própria pessoa.

O paciente é o agricultor paraibano Damião de Oliveira Bezerra, de 47 anos. Ele teve a mão direita amputada em um acidente aos 17 anos de idade, enquanto utilizava uma máquina forrageira.

Após a amputação do membro direito, Damião se adaptou e viveu os últimos 30 anos com a mão esquerda. Há oito meses, no entanto, ele sofreu um acidente de carro que resultou na paralisia total desta mão.

Como explicam os médicos Rui Ferreira e Mauri Cortez, cirurgiões especialistas em mão que comandaram a operação, o acidente havia causado lesão cervical e paralisia total do plexo braquial esquerdo, o que causa a interrupção dos sinais que vão do cérebro para os músculos, impedindo que a musculatura do braço, antebraço e mão funcionem.

“É um paciente que aos dezessete anos teve uma amputação da mão direita e viveu esses 30 anos com uma mão só, o que é bastante comum. Só que teve a infelicidade de ter um acidente automobilístico em que ele teve uma lesão vertebral na região cervical, teve uma lesão plexo braquial, e a mão ficou paralisada”, comentou Ferreira.

Segundo os cirurgiões, não haveria mais chance de a mão esquerda de Damião voltar a apresentar funcionalidade neste mesmo lado. Após o paciente procurar o instituto, por indicação de um enfermeiro que o atendeu na Paraíba, Ferreira e Cortez realizaram a cirurgia, transplantando a mão esquerda do agricultor para o lado direito do corpo.

Com o procedimento, há a previsão de que o agricultor possa recuperar os movimentos da mão, agora implantada no braço direito. Os primeiros dias do pós-operatório são fundamentais para avaliar a evolução do paciente.

“Todo procedimento de amputação que faz um reimplante ou uma cirurgia tem um tempo que a gente é muito cauteloso em dar qualquer prognóstico. Primeiro, ele saiu da sala com a mão vascularizada, normal, teve uma obstrução e foi feita a revascularização. Agora, ele está bem, está com 36 horas [desde a cirurgia], mas só depois desse tempo é que a gente conta como sucesso”, frisou Rui Ferreira.

De acordo com os cirurgiões, na literatura médica há registro de apenas outras sete cirurgias de autotransplante realizadas no mundo.

“Nossa experiência e as condições do paciente nos deram tranquilidade e segurança para indicar e realizar o transplante. Neste momento, ainda é cedo para afirmar se o paciente vai recuperar as funções da mão transplantada, mas já podemos dizer que a cirurgia representa um grande avanço e que servirá como referência científica para os próximos casos”, explica o médico Mauri Cortez.

O agricultor Damião de Oliveira Bezerra segue com estado de saúde estável e em observação no Instituto SOS Mão. “O paciente passou por uma cirurgia longa, de 14 horas de duração. Ele está bem, o estado geral dele é bom, mas inspira cuidados de todo jeito porque ele passou por dois procedimentos de longa duração”, acrescentou Cortez.

A previsão é de que ele permaneça em observação, após os primeiros sete dias do pós-operatório, por ao menos mais uma semana, especialmente para ter o acompanhamento direto nesta fase inicial, já que mora em outro estado.

Como reforçam os médicos, Damião Bezerra passou os últimos oito meses com toda a mão esquerda, braço e antebraço paralisados. A expectativa é de que após a recuperação da cirurgia, a mão agora implantada no lado direito volte a apresentar funcionalidade para que o agricultor consiga voltar a executar sozinho, por exemplo, atividades básicas do dia a dia, como tomar um banho e se alimentar.

“Esse procedimento traz esperança para Damião e também para outros pacientes nessa condição. Passadas as complicações inerentes ao transplante e os riscos desses primeiros dias, espera-se que ele recupere a função da mão. Estamos esperançosos, mas temos que aguardar  a evolução nos 15 próximos dias para reavaliação”, explica Rui Ferreira.

“O paciente é muito tranquilo, está bem consciente de tudo que pode ter no pós-operatório, tanto no imediato como no pós-operatório mais tardio. Antes da cirurgia ele não tinha nada, né? Porque ele perdeu a função dos dois membros superiores. Então, se tudo der certo e ele ficar com essa mão, é um ganho fenomenal para a questão da função dele, paras atividades diárias, para comer, para fazer tudo, se vestir, para fazer alguma coisa, que hoje ele depende totalmente de ajuda de outras pessoas”, finalizou Mauri Cortez.