Do UOL

Foto: Sérgio Lima/AFP

A convivência de detentos no sistema prisional federal com Marco Willians Herba Camacho, o Marcola, apontado como chefe do PCC (Primeiro Comando da Capital), originou a formação de novas quadrilhas especializadas em assaltos a banco nos últimos 20 anos, conhecidas hoje como o “novo cangaço”.

Esse tipo de grupo criminoso foi responsável pela ação que deixou ao menos três pessoas mortas e outras quatro feridas na madrugada de ontem (30) em Araçatuba (SP), a mais violenta do tipo nos últimos dois anos segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Especialistas ouvidos pelo UOL detalham a forma de agir e a estrutura dessas quadrilhas, que atacaram ao menos seis cidades do interior paulista em pouco mais de um ano.

Coordenadora científica do Laboratório de Estudos da Violência da UFC (Universidade Federal do Ceará), Jania Perla de Aquino diz que o contato de outros detentos com Marcola possibilitou a troca de informações e de conhecimento sobre esse tipo de ação, dando origem aos assaltos com grupos interestaduais.

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Assaltantes de outros estados passaram a conviver, interagir e se articular. Aí, trocaram informações até sobre o planejamento de crimes. Uma das características do PCC era justamente os assaltos a banco de forma organizada. O Marcola é considerado alguém com capacidade para elaborar e planejar esse tipo de crime.
Jania Perla de Aquino, especialista em segurança pública

Segundo a especialista, esses grupos passaram a agir no Nordeste há 20 anos em cidades do interior do Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba, dando origem à denominação conhecida como “novo cangaço”.

“Delegados que investigavam esses crimes criaram a expressão por causa de ataques a delegacias e quartéis, obstruindo a entrada das cidades para evitar reforço policial de cidades vizinhas. Isso remetia ao cangaço, que era o tipo de crime que ocorria em bandos, aterrorizando a população local. Essas quadrilhas ‘tomam’ as cidades por onde passam”, afirma Aquino.

A partir de 2010, explica, a atuação deles se aperfeiçoou e se tornou mais violenta devido às ações das autoridades para combater esses crimes. Os grupos então passaram a usar artefatos explosivos para impor um cenário de terror.

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“Os explosivos causam um dano maior ao patrimônio e um impacto psicológico nas pessoas em áreas afastadas das capitais, onde o policiamento é mais reduzido. Esse tipo de abordagem se disseminou e gera comoção pelo pavor nas cidades”, afirma a especialista.

Segundo ela, comparsas costumam atuar em mais de uma ação.

Há pessoas atuando em conjunto. Eles repetem a mesma estratégia em diversos municípios e se aperfeiçoam. A forma como se dirigem aos reféns cria a impressão de que são ações impulsivas. Mas é uma falsa impressão. Essa atitude performática, com impacto visual e sonoro dos assaltos, visa exatamente aterrorizar a população e as autoridades.

Jania Perla de Aquino, especialista em segurança pública

A ação em Araçatuba coloca em evidência o aumento da escalada da violência nas ações do “novo cangaço”, explica Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Araçatuba foge do padrão, porque não repete o modelo de ataques a cidades do interior onde não há estrutura policial. Antes, eram ações que só levavam medo e pânico à população. Agora, levaram mortes”, diz.

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Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) em administração pública e especialista em segurança, disse que a ação surpreendeu até as autoridades devido ao uso de recursos até então inexplorados nesse tipo de crime, como os drones que monitoraram o deslocamento pela cidade.

“Houve inovação com uso de explosivos e drones. O que parece é que os criminosos estão cada vez mais especializados e organizados. Estão aprimorando a forma de fazer esse tipo de ataque. São crimes cinematográficos, com uso de violência extrema. Infelizmente, o estado não consegue dar uma resposta à altura”, analisou.