Cerca de 20 garotos, entre 13 e 17 anos, vinculados ao programa de ressocialização do Núcleo de Medidas Socioeducativas de Serra Talhada, sonham em mudar de vida através do futebol. Para eles, o esporte surgiu como oportunidade de reabilitação frente às drogas e à Justiça. Os garotos respondem judicialmente por infrações consideradas leves como lesão corporal, roubos e furtos. A iniciativa do projeto partiu do Ministério Público Estadual (MPE-PE) em parceria com o Centro de Treinamento Atleta do Futuro e o Núcleo de Medidas Socioeducativas. 

Após constatar elevação no número de incidência infanto-juvenil nos casos de infrações contra a lei, a promotoria viu o esporte como prática restauradora da autoestima dos meninos. De acordo com o Promotor de Justiça, Vandeci de Souza Leite, a ideia surgiu com o intuito de estimular os adolescentes a trilhar um caminho saudável. “Colocá-los frente à prática esportiva foi uma forma de ajudá-los a encontrar uma saída longe das drogas”, afirmou. 

CONVERSA: Antes de começar o treino, Paulo Moura fala sobre dedicação

 A Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) contribuiu com o projeto doando chuteiras, calções e camisas padronizadas.  A empresa Odebrecht também participou oferecendo café da manhã nos dias de treinamento. Além disso, uma equipe de psicólogos e assistentes sociais ligados ao Núcleo de Medidas Socioeducativas acompanha a situação dos menores em casa e no ambiente escolar. A intenção é proporcionar segurança ao jovem em conflito com a lei, dentro e fora de campo, para que ele busque ressocialização sem o perigo da reincidência. 

TREINAMENTO 

 Os jovens se reúnem duas vezes por semana (segundas e quartas pela manhã) no Centro de Treinamento Atleta do Futuro, na região central da cidade. Eles são coordenados pelo professor Paulo Moura, 60, ex-jogador profissional. Trabalhar a habilidade dos meninos com a bola é a atividade principal nos treinos. Cada um deve aprender, aos poucos, os segredos para ser um bom jogador, além de conhecer táticas primordiais para se tornarem cidadãos conscientes. “Cobro muito deles a questão da freqüência escolar. Para entrar aqui tem que está estudando. A escola vai ajudá-los a vencer”, assegura Paulo Moura. 

 Em fase experimental no município, o projeto selecionou 20 garotos num universo de 50 adolescentes assistidos pelo Núcleo de Medidas Socioeducativas. “A intenção é ampliar esse número”, afirma a coordenadora do órgão, Irani Ferraz. “Nosso trabalho busca ajudar na reconstrução de vida destes meninos, sempre acreditando que eles possam mudar”, completa. Para o menor E. S., de 14 anos, a iniciativa de colocá-lo numa escola de futebol foi positiva. “Aqui é bom demais. O professor sempre incentiva a gente fazer a coisa certa.” 

Desde o início do projeto, há cinco meses, houve apenas duas desistências. Para Paulo Moura, a mudança de comportamento dos adolescentes é o principal motivo de comemoração. “Venho sentindo os garotos muito mais calmos” avalia, contemplando os jovens com orgulho. Alguns deles confessam ter largado o vício das drogas devido os trabalhos no centro de treinamento. “Caí fora disso. Quero vida melhor”, confessou T. C. S., de 14 anos. De acordo com o Núcleo de Medidas Socioeducativas de Serra Talhada, cola, maconha e crack são as drogas mais usadas pelos jovens infratores. 60% dos casos de envolvimento de menores com entorpecentes em Serra Talhada foram verificados apenas no Alto do Bom Jesus, conforme informações do Conselho Tutelar, seguidos pelos bairros da Cohab, Mutirão, Alto da Conceição e zona rural.                                                                                                                    

 MAIOR IDADE
 
 

Menores demonstram habilidade com a bola

O medo que assombra alguns dos adolescentes infratores ligados ao projeto esportivo de reabilitação é o da maior idade. Completar 18 anos torna-se sinônimo de tristeza devido ao corte nos laços assistenciais mantidos pelo Estado. E. F., de 16 anos, é um dos que temem o fato de ser considerado adulto, quando sequer teve chances de possuir infância saudável. Nunca viu o pai, perdeu a mãe na primeira década de vida e não tem outro parente na cidade. Morou durante sete meses nas ruas e hoje reside numa casa de apoio para menores.  “Meu maior medo é quando eu completar 18, pois não vou ter mais onde morar”, desabafa, preocupado, sonhando um dia poder recontruir a vida com uma nova família. 

 Na opinião da assistente social Ana Carolina Lira, o receio da maior idade existe devido à ineficácia governamental em investir na profissionalização do jovem. Segundo ela, a criação de oportunidades, como o primeiro emprego, deveria diminuir a insegurança do adolescente infrator, facilitando, assim, a ressocialização. “Aos 18 anos o corte é inevitável. O que falta, de fato, são políticas que garantam bases de aprendizados, capacitações, conhecimentos que possam abrir caminhos para eles no mercado de trabalho.” 

 De acordo com a ONU, o Brasil possui 33 milhões de adolescentes. Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), divulgado em  fevereiro deste ano, atesta que 38% deles vivem em situação de pobreza e são o grupo mais vulnerável ao desemprego, à violência do tráfico de drogas e às falhas das políticas de segurança. Para a Unicef, falta mais investimentos em programas de saúde e educação para a juventude. “A situação dos adolescentes no Brasil demonstra que atualmente as oportunidades para sua inserção social e produtiva ainda são insuficientes, tornando-os o grupo etário mais vulnerável em relação a determinados riscos como o desemprego e o subemprego, a violência, degradação ambiental e redução dos níveis de qualidade de vida”, atesta o documento.  E sugere, como uma das alternativas, maior interesse das escolas em investir no esporte, cultura, lazer e outros assuntos de fomento à cidadania.   

 ATOS INFRACIONAIS 

 Ao cometer os chamados atos infracionais, o adolescente inicia um confronto direto com a Justiça. É quando o menor sai da alçada de instituições de orientação preventiva como Conselhos Tutelares e passa a ser acompanhado por Núcleos de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto. As principais atribuições desses órgãos são a liberdade assistida do jovem e seu acompanhamento nos serviços prestados à comunidade. 

Com essa proposta, os Núcleos representam o último degrau que o menor deve pisar antes de cair em medidas de internação em centros educacionais.  “O fato de serem advertidos com a proposta socioeducativa aciona um sinal amarelo na cabeça do menor infrator. Ele saberá que a reincidência poderá levá-lo às instituições de privação de liberdade”, analisa a assistente social, Ana Carolina Lira. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la. E não será admitida a prestação de trabalho forçado. 

  

  *Fotos: Giovanni Alves Duarte.