Publicado às 05h54 desta terça-feira 9()

Por Fláviano Roque, cronista serra-talhadense

Vamos buscar uma definição para a palavra Motel, mas de modo que esta possa caber em apenas uma palavra, deixe-me ver… Só consigo pensar em uma: rotatividade. E entenda-se isso como uma alternância silenciosa, e não simplesmente como algo atrelado à celeridade. Vamos por etapas, pois sei que, ao menos nesse tema, os frequentadores assíduos já arregalam os olhos, ansiosos por luzes e ação; ou, não vou negar isso por mera demagogia, pode ser que esse texto tenha cheiro de shampoo barato, o que não vai passar despercebido pelo bom leitor. Enfim, deixe para julgá-lo após a consumação do ato, não seja precoce na leitura.

Tem gente que se acha especialista em hotelaria sexual, obviamente não falo dos proprietários, e sim dos usuários, que lidam com o serviço com a mesma regularidade da vida cotidiana, sendo, por isso, “quase autoridades” no assunto. Sem pressa, sem pressa, meus caros… Há vários tipos de especialistas em várias coisas, contudo, de sommelier de vinho até o expert em camas redondas existe (ou existia, como vamos ver) um abismo relevante. Não leve para o tom vulgar da expressão, porquanto, ainda entendo (e defendo) que cada “profissional” deve tratar de dominar sua área.

Assim, o advogado, para bem pisar na doutrina, que meça palmos de juristas; o médico que faça da saúde sua ambição elementar e a meretriz, embora não haja uma ligação necessária entre essa e os motéis, que desenvolva-se como conhecedora da face sombria dos homens. Sem fazer distinções, o sommelier de bordel ou, para evitar termos pejorativos, o “especialista em uso contínuo de camas variadas” deve sim ter seu respeito como de direito. E diria mais: nos dias atuais, estão todos a copiá-lo descaradamente!

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Vejamos, no motel temos a entrada sigilosa, o pagamento por hora para consumação do coito e, sobretudo, a falsa aparência de quarto, diga-se de passagem com altas doses de narcisismo espelhado. Esses elementos fazem dessa instituição um convite às paixões rotineiras, extremamente moderna, rápida e civilizada (embora haja exceções, temos uma constante). A grande questão é: você não entra em um motel achando que vai encontrar outra realidade. Tudo está acertado, todos sabem o que fazer. Porém, para infelicidade do destino, e isso é informação da associação de donos de motéis do país (embora ela não apareça com frequência nos remissivos dos jornais), tem muita gente usando o Airbnb para evitar a regularidade das coisas como elas são.

E veja mesmo, a tecnologia banalizou até o mais ordinário da vida citadina. As pessoas vão procurar casa (estabilidade) no lugar de um motel. Dizem que é mais fácil entrar e sair sem que os outros saibam de suas intenções. Como se tal fato escondesse a real inibição que o brasileiro tem em relação ao sexo. Ah… mas e o carnaval? Se você acha que o carnaval pode se resumir a isso, enfim, não entendeu ainda aonde quero chegar. Vou formular uma tese; tese de botequim, mas ainda assim válida: o mundo se moteliza ou desmoteliza na mesma proporção que foge, ou mantém, o significado real para a qual foi criado.

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Nesse sentido, o motel pode deixar de sê-lo (e vem deixando), porque fugiu da sua finalidade básica, conduzindo-se a um sub ramo pueril de hotelaria. Nada obstante, muito mais curioso é que isso ocorre com outros ramos profissionais, até então bem afamados e ordeiros. Esse é o ponto! Tudo gira em torno de uma rotatividade que alterna posições, lugares e coisas. Enquanto as camas de corações decaem, comércios, que detinham até certa neutralidade na relação cliente-serviço, passaram a usar do mesmo modus operandi dos motéis para alavancar seus negócios.

Esses dias fui ao dentista, minto, não fui ao dentista, fui na verdade ao que considero uma pretensa corporação de dentes. Ou você não notou que quando vai em alguns consultórios odontológicos, aqueles com fachadas mais bem apanhadas, está recebendo tratamento equivalente ao que teria por uma diária de apartamento privê? Você chega ao consultório e não há um profissional certo para lhe atender ou acompanhar o seu processo como paciente, vale o que uma máquina ou o bom senso do atendente disser que “está livre”, quase a mesma coisa que dizer “temos quartos disponíveis”; fora o fato de que alguns consultórios viraram centrais de telemarketing, isto é, quanto mais bocas marcadas, melhor para o negócio.

Eles ligam pra você, e ai de você se não tiver tempo para o horário que eles tem disponível (aqui já é mais do que os motéis conseguiram chegar)… Atendimento rápido, rotativo, sem muita atenção. A próxima grande novidade, e não duvidem disso, é a criação de drive-thrus para agilizar ainda mais o processo. No jargão popular é isso, “entra, come e sai”, muito sutil, não? Aliás, também é assim no Mcdonald’s, não é? Só que ninguém come um Big Mac achando que fará bem à saúde.

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Eis o Motel Odontológico (com todo o respeito da palavra, claro). Numa lógica, um tanto quanto comum, tudo se transforma, tudo muda, uns sobem e outros descem. Embora a pretensiosa fórmula capitalista seja a mesma, os lugares definitivamente estão mudando constantemente. A verdade é que tudo se globaliza, querem abocanhar o mundo inteiro, nem que para isso tenha que retirar a personalidade do dentista ou quem quer que seja. Indo do cliente ao profissional, todos são mera engrenagem de uma parte maior, sem voz, sem direito a dar opinião, mero empregado ou subordinado apto a fazer o que os outros mandam. A salvação são aqueles dentistas que ainda tem seu consultório próprio e vendem saúde de verdade.

Eu não sei quanto a vocês, mas eu preferia quando motel era motel; e consultório de odontologia era, de fato, consultório de odontologia. Misturaram tudo.