Cubículo bagunçado: hospital da arte. Eis o consultório. Medindo 1,80 metro de largura por 1,80 metro de comprimento, o quarto de trabalho é o primeiro cômodo de uma casa estreita, cor de abacate, número 72, no bairro do Alto da Conceição em Serra Talhada. Nela, mora Maurício Francisco de Souza, de 59 anos, mais conhecido como Neném da Sanfona. Mestre na arte de tocar e consertar acordeons, ele garante, sem medo, que nunca perdeu “paciente” durante “cirurgia”.

Quando o caso é grave, com certo pesar, Neném tem a coragem de dizer que não vale a pena salvar a vida do instrumento. “Aviso logo que não faço gambiarra. Até compro por um preço mais barato, porque às vezes o custo do conserto chega a ser o valor de uma nova. Então acabo de matar, quebro e depois uso as peças para salvar outras”, explica.

Há 25 anos no ofício, que chama de Técnico em Sanfona, adquiriu respeito e prestígio dentro e fora de Serra Talhada. Além de ressuscitar acordeons vindos do Recife e de mais sete cidades do sertão pernambucano, também tem clientes fiéis nos Estados do Ceará e da Paraíba. Já até socorreu o instrumento de um dos maiores sanfoneiros do Nordeste, o do maestro Camarão.

COMO TUDO COMEÇOU

O “Doutor” das Sanfonas aprendeu a “operar” o instrumento assim: “curiando” seu irmão mais velho consertar, o Nezim do Acordeon. Após o aprendizado com os olhos e com as mãos, montou sua própria “sala de cirurgia” em casa. Neném garante que, hoje, ele e o irmão são os tocadores mais velhos da Capital do Xaxado. Mas o interesse do “Doutor” pelo instrumento despertou ainda pequeno, quando saía para ajudar o pai – também tocador – em suas apresentações.

Numa das festas, escutou alguém perguntar ao patriarca o motivo de não matricular os meninos na escola, e o pai responder: “Se não tenho condições de colocar num colégio que preste, tenho de ensinar o que sei”. Neném, hoje, conserta em média três acordeons por semana, o que lhe rende cerca de R$ 300. E afirma ser mais rentável que todas as suas outras profissões: encanador, carpinteiro, armador, pintor, pedreiro e músico.

A demanda aumenta antes e depois dos festejos juninos. “Conserto mais na época do São João e depois, porque tudo quebra e então ganho dinheiro de novo”, diz, com um sorriso de sanfona nova. Ele faz a eletrificação do acordeon, o fole e também a afinação. O trabalho mais difícil que já teve durou dois dias. Entre os complicados está, segundo ele, “a baixaria” – o manuseio dos baixos da sanfona. “Um dia chegou um cabra com 120 baixos dentro de uma sacola. Deu trabalho, mas eu não vou pegar pelo lado dos pés, eu pelo logo pelo lado da cabeça”, diz, para explicar que logo detecta a enfermidade e dá a solução. A “cirurgia” de um acordeon de 120 baixos custa R$ 200.

Certa noite, o “Doutor” das Sanfonas teve de utilizar seus conhecimentos em causa própria: o instrumento quebrou durante uma apresentação: “Foi rápido. Pedi licença ao pessoal, em meia hora, consertei o enfermo e meti o dedo por dentro da noite”. Em outra vez, duas teclas se desprenderam da base do teclado durante a música. Com destreza  ele cuspiu um palito de dente e enfiou debaixo delas, calando a desafinação. Isso sem precisar dar uma pausa sequer.

Neném tem um Artista-6 Todeschini há oito anos e garante que nunca precisou abri-lo. Chegou a receber ofertas de até R$ 5.000,00 por ele, mas nem pensa em vendê-lo. “Esse é o melhor que tem”, orgulha-se.  O Técnico-Sanfoneiro já se livrou de muitos imprevistos e, em se falando de sanfona, não tem problema que não resolva. “Operou” até no meio do mato, quando, numa festa no sítio da família, acionaram seus serviços para uma intervenção de urgência. Salvou a alegria de todos.

Como ninguém é perfeito, o único caso de acordeom que ainda não deu solução é o da inadimplência. “Tem ´veaco´. E é de monte. O cabra manda a sanfona por outras pessoas para ´num´ pagar o que me deve, e eu só fico sabendo depois”, reclama, mas sem perder o humor.

 *Foto: Giovanni Alves Duarte

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