ligacoes2A vida e a arte se completam, sem interpelam, se interpretam mutuamente. No desembucha de hoje gostaria de ter o dom de narrar, talvez fosse mais profundo o impacto do que puramente argumentação. O enredo partiria de uma cena de minissérie que provocou duas grandes indagações: a romantização do estupro e como uma cena de violência sexual não choca mais do que uma cena de amor lésbico ou gay. Na última quarta-feira (13), por exemplo, no Tocantins um pai puniu a filha adolescente com um estupro corretivo por manter um relacionamento homossexual. Na notícia, creio que para muito a homossexualidade é tão chocante quanto o estupro.

Estamos falando da minissérie Ligações Perigosas, que é exibida pela rede Globo na faixa das 23h. A minissérie foi inspirada em uma obra da literatura francesa de mesmo nome, escrita por Choderlos de Laclos no século XVIII. Na época era do feitio literário denunciar o lado infame e inescrupuloso do ser humano, junto a uma série de mazelas sociais. Em uma das cenas da minissérie há uma cena de estupro um pouco diferente do que o imaginário feminino traz consigo. Na obra literária a cena é agressiva e traumatizante, mas na televisão era foi silenciosa e suave. Telespectadores desavisados devem achar até hoje que não foi uma agressão. Mas foi!

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No período histórico retratado na minissérie, o estupro era tão comum quanto hoje, só que mais oculta por ser xx-82menos denunciada. A cultura do estupro é muito antiga e fortemente estabelecida também nos dias atuais. E a cena ficou esteticamente bonita, artisticamente. Mas toda carga negativa que a nossa geração tem sobre estupro faz com que a gente perceba o quanto abominável é aquele ato. As críticas nas redes sociais, e as minhas – advém do fato que cenas de amor, não tradicional, causam mais repulsa nos telespectadores e na sociedade brasileira do que uma cena de violência, um ‘estupro romantizado’.

O estupro cometido por pais, tios ou homens próximos uma família tem uma carga psicológica muito mais violenta, justamente porque acontece tal como a cena da minissérie. Ameaça e conquista, desejo e medo, amor e repulsa, carinho e agressão, brutalidade disfarçada de cuidado. Penso na situação de Serra Talhada onde pelo menos 330 mulheres foram vítimas de violência doméstica em 2015 e somente dez casos de estupro foram denunciados. Há que se preocupar com esses casos de ‘estupro romantizado’ com meninas, adolescentes e mulheres da nossa cidade. Independente de quem seja, denuncie.