Viagem ao Passado destaca nesse domingo (11) os trechos de um registro jornalístico no qual a epidemia de cólera morbo assolou Serra Talhada em 1856. Na época, a cidade era denominada Vila Bela. Os textos foram transcritos do Diário de Pernambuco pelo historiador belmontense Valdir Nogueira, membro do IHGPajeú. As reportagens destacam o papel decisivo do padre Manoel Lopes e do médico Thomas Antunes para combater o avanço da doença e ajudar as vitimas da cólera na cidade.

Padre Manoel Lopes

Pouca gente sabe que onde hoje está localizada a empresa Tupan Construções, na Avenida Miguel Nunes de Souza, foi um cemitério. Essa história teve origem no século 19, quando Serra Talhada foi acometida por duas epidemias de Cólera-morbo, onde morreram dezenas de pessoas. Por uma questão de higiene e precaução, em 1863, um cemitério foi providenciado para que as vítimas fossem sepultadas em covas bastante profundas.

Nesse período o cemitério público estava localizado no Centro da cidade, na atual Praça Barão do Pajeú, por trás da antiga igreja matriz de duas torres, ou seja, existiu por parte das autoridades uma preocupação de tentar evitar que a doença se alastrasse entre o moradores. Até a década de 1960 ainda eram possíveis identificar as cruzes e a paredes do antigo cemitério onde foram sepultados as vítimas do Cólera-morbo.

Segundo ex-prefeito Luiz Lorena, em seu livro “Serra Talhada. 250 anos de história. 150 anos de Emancipação Política”, em 1856 morreram 53 vilabelenses entre abril e junho daquele ano. Em 1863 morreram mais de 20, nesse período a população urbana era inferior a mil habitantes. Segundo o relato do ex-prefeito, as “vítimas foram sepultadas em covas profundas e fora do alcance da contaminação”.

As fotos do local onde existia o antigo cemitério (feitas pelo repórter fotográfico do Farol, Alejandro García, em setembro de 2015) 

RELATO HISTÓRICO DE 1856 SOBRE SURTO DE CÓLERA EM SERRA TALHADA

“Ilmº. Sr. – Ligado por analogia de ministério a V. S., e reconhecente da dedicação, desinteresse e caridade cristã, com que V. S. se houve na crise emergente que acabara de atravessar as suas ovelhas, cumpre-me neste fausto dia de hoje, em que exultamos de prazer pelo feliz aniversário de nossa Independência, comunicar a V. S. a alegre notícia da completa extinção da epidemia de cólera morbus nesta Comarca.

A Divina Providência, ouvindo nossos votos e nossas preces, se amerceou de nós, que passamos pela mais aflita provação, por efeito de nossos grandes pecados; e, pois, rendendo graças ao Todo Poderoso, lhe roguemos que nos ampare com sua infinita misericórdia, e cubra com o seu divino manto este grande Império, destinado a altura das grandes nações, e ao nosso ínclito e adorado monarca, que por si e por seu governo tantas provas nos têm dado de sua católica dedicação, suavizando os nossos males e zelando a nossa prosperidade.

O clero e os médicos, tocados por afinidade, e evocados naquela conjuntura, souberam por mais esta vez, pela prática de suas elevadas virtudes, por sua decidida coragem, e completa filantropia, fazer ressaltar o importante papel que na sociedade devem representar; congratulo-me, portanto com V. S. por seus reconhecidos feitos! Mas conforta-me a convicção de nada ter poupado, senão para preencher as vistas do governo e dos sofredores, ao menos para fazer quanto em mim coube.
Aproveito o ensejo para testemunhar a minha alta consideração, profundo respeito, e particular estima.

Deus proteja os seus dias.

Vila Bela, 7 de setembro de 1856.

Ilmº e reverendíssimo Sr. Padre Manoel Lopes Rodrigues de Barros, digno vigário de Vila Bela. – Dr. Thomas Antunes de Abreu, inspetor e diretor do Serviço de Saúde nas Comarcas de Pajeú de Flores e Boa Vista.

 “(…) em Vila Bela deu-se o primeiro caso que foi fatal, no dia 7 de abril, e na Baixa Verde apareceu logo seis dias depois. Casos registrados tiveram lugar no Riacho do Navio e febres intermitentes na freguesia de Fazenda Grande. Diante da noticia que correu do desenvolvimento do mal na Serra do Catolé a 26 léguas de Flores (…)Tendo-me sido exigido o pagamento de medicamentos fornecidos em Vila Bela pelo negociante Simeão Correia Cavalcanti Macambira antes de chegarem às ambulâncias do governo, e reconhecendo eu exorbitantes os preços pedidos, propus-lhe a indenização por meio de iguais ou de outros medicamentos, ao que anuiu, recebendo-os das ambulâncias, conforme participei em ofício de trinta de julho a V. Ex., que se dignou aprovar esta minha resolução.

Enfim, no glorioso dia 7 de setembro, pude graças à Divina Providência, levar ao conhecimento das câmaras municipais, e mais autoridades da Comarca de Pajeú de Flores, a agradável notícia da completa extinção da epidemia da cólera morbus que tanto flagelou os habitantes desta bela província, e de outras do Império, e que causou incansáveis males à agricultura, comércio e indústria, ainda não bem desenvolvidas em nosso rico país predestinado a altura das grandes nações.  No dia 9 do dito mês de setembro de 1856, fiz celebrar na Igreja Matriz de Vila Bela um “Te Deum”(…)  “RELAÇÃO DAS PESSOAS QUE MAIS SE DISTINGUIRAM EM SERVIÇOS À HUMANIDADE, POR OCASIÃO DA EPIDEMIA DA C&Oa cute;LERA MORBUS NA COMARCA DO PAJEÚ DE FLORES
DR. IGNÁCIO JOSÉ DE MENDONÇA UCHOA, juiz de direito da Comarca de Flores, termo de Vila Bela. – Portou-se com a maior solicitude no desempenho das ordens do governo em relação à epidemia, e prestou relevantes serviços aos enfermos, ministrando-lhes, com proveito, medicamentos homeopáticos.

DR. RODRIGO CASTOR DE ALBUQUERQUE MARANHÃO, juiz municipal dos termos de Vila Bela e Ingazeira. – Cumpriu como autoridade seus deveres mui satisfatoriamente, e se interessou pelos doentes, aos quais também socorreu.

PADRE MANOEL LOPES RODRIGUES DE BARROS, vigário da Serra Talhada, termo de Vila Bela e seus contornos. – Desempenhou esplendidamente todos os deveres de seu ministério, mostrando a maior dedicação pelos enfermos.

PADRE PEDRO MANOEL DA SILVA BURGOS, vigário da freguesia de Flores. – Estão acima de todo o elogio os serviços deste distinto pároco, quer como ministro da Igreja, quer como verdadeiro filantropo; sua mão caridosa se estendeu em grande escala aos desvalidos.

PADRE FELIPE BENÍCIO MOURA, vigário de Ingazeira. – Prestou-se com zelo e prontidão, ministrando os socorros espirituais aos doentes.

CAPITÃO MANOEL DA CUNHA WANDERLEY, delegado e comandante da força volante da Comarca de Flores. – Como autoridade e como filantropo prestou os mais admiráveis serviços; ministrou por suas próprias mãos medicamentos e mais socorros aos enfermos; nada deixou a desejar.

TENENTE-CORONEL CRISTOVÃO JOSÉ DE CAMPOS BARBOSA, delegado do termo de Vila Bela. – Desempenhou com zelo e atividade os deveres do seu cargo, e socorreu aos desvalidos.

CAPITÃO JOÃO DO PRADO FERREIRA, delegado do termo de Ingazeira, cumpriu seus deveres com dedicação e atividade; prestou-se ao socorro dos desvalidos.

ANTÔNIO LOPES DE SIQUEIRA, subdelegado de Baixa Verde, empregou no desempenho de seus deveres zelo e atividade, interessando-se pelos doentes, aos quais socorreu.

ALFERES SEVERINO JOSÉ DE ALMEIDA PEDROSA, vereador da Câmara Municipal de Ingazeira. – Ninguém mais do que este cidadão caridoso se prestou ao serviço da humanidade, ministrando por suas mãos os remédios, e socorrendo à sua custa em grande escala; seu procedimento foi exemplar.

E faço votos para que o Supremo Deus se amerceando de nós afaste esse tão cruel mal para sempre do Império de Santa Cruz, a cujos destinos preside o nosso muito sábio, muito virtuoso, e muito amado monarca Dom Pedro II, que por si e por seu governo emprega a mais decidida solicitude no provimento dos meios os mais conducentes ao alívio da humanidade aflita, e a prosperidade do país; e nesta conjuntura muito se tem V. Ex. distinguido.

Recife, 12 de dezembro de 1856.
Dr. Thomas Antunes de Abreu
Médico em comissão do governo.