Publicado às 05h30 desta quarta-feira (14)

Por Amélio Fernando de Godoy Matos, serratalhadense, médico Endocrinologista, escritor, e Professor de pós-graduação de Endocrinologia da PUC-RJ

Hoje recebi um zap da minha irmã, Carol, com um vídeo que mostrava todas as estações que este trem percorria, desde a estação Central, em Recife até a última Salgueiro. Trocamos, entre nós irmãos e algumas primas, um alegre bate-papo de manhã de domingo com as nossas memórias e graças a tecnologia dos telefones inteligentes. Para o bem da verdade, conhecíamos este trem como Recife-Serra Talhada. Sem bairrismos… afinal, para todos os serratalhadenses, essa era a última estação.

Fiz esse percurso algumas vezes e lamento que, ao invés de ter-se modernizado e crescido, a linha férrea foi interrompida e por fim desapareceu. A memória afetiva, contudo, restou inabalada, quase viva, quase a cores, talvez até sonorizada pelo apito que entrava pelos nossos ouvidos. Fora o Noel Rosa das nossas cantigas e serenatas, a frase correta seria “que feria os meus ouvidos”, mas aí o apito seria o da fábrica de tecido.

Veja também:   Mercado público gera o primeiro confronto entre Márcia e Duque

Manhã cedinho chego à estação Central. O dia já claro, mais ainda fresco, faz crescer a minha animação sonolenta. Estou pronto para embarcar para uma demorada travessia, rumo a Serra Talhada. O trem se move, lento, pachorrento, e vejo passar as pequenas estações ao longo do caminho.

Aquela que me parece a maior, mais movimentada, com pessoas indo e vindo é a de Caruaru. Ambulantes oferecem biscoitos, cocadas, milho verde, pamonha e outra iguarias do meu Pernambuco. E mais e mais estações vão passando…Pesqueira, Arcoverde e muitas outras menores. O trem para em quase todas e a viagem se arrasta, cansativa, barulhenta. O calor já incomoda e procuro sair um pouco tentando achar um pedaço mais fresco do vagão. Fumaça e poeira. Será que vale a pena essa viagem? Como diria um amigo dos meus agora tempos de Rio de Janeiro, “a causa é maior do que a vontade”. E nesse caso a causa é! (sem trocadilho). Mas, a vontade também é do mesmo tamanho. Estou indo para a nossa bela vila, a Serra Talhada da infância alegre e bem vivida, a outrora Vila Bela.

Veja também:   Idoso que morreu após cair de prédio em ST estava despido

Os últimos dias foram de alguma ansiedade e muita movimentação. Preciso saber quem, entre os estudantes e amigos conterrâneos, vai para as férias. E quem iria no mesmo dia. Sei, de experiencia própria, que quando juntamos mais de 3 ou 4, a viagem fica mais animada e mais  tolerável. Até dá pra paquerar uma ou outra nos diversos vagões. Hoje o trem está repleto de amigos e colegas. Apesar de ter apenas 14 anos, arrisquei tomar uma cervejinha com os mais velhos. A cervejota está quase quente, mas não sou mesmo um “connoisseur”.

Assim, a viagem transcorre animada, fico muito tempo em pé, indo de banco em banco conversando com uns e outras. Alguém no vagão à frente dedilha um violão, acompanhando cantores amadores improvisados. Esta pratica, de sair do nosso lugar pode não ser a mais segura. Um outro dia a mala de uma prima foi surrupiada!

Veja também:   Trio surpreende morador e invade casa no centro de ST para roubar

E o trem, segue firme, o dia chegando ao fim. O cansaço já se faz sentir, alguns cochilam. Passamos pela estação de Flores. Estamos chegando, sabemos que São Serafim, a penúltima, está logo ali.

A viagem vai se esfumaçando, o barulho vai minguando, as cores mudando…estou saindo do meu devaneio, do meu “deja vu”. Ainda dá tempo de ver a chegada a estação de destino, ainda me vem um sorriso de satisfação e ainda deu tempo de ver a velha praça, sempre bonita, sempre amiga…aqui vivi momentos sublimes, cantei todas as canções, amei todas as namoradinhas…lentamente Serra Talhada vai ficando no passado! E o trem, Serra Talhada para Recife, partiu pela última vez!