Por Cícero Lopes, professor e teólogo pelo Instituto de Ciências Religiosas de Fortaleza.

“Você está à altura do seu destino”?

(Hamlet, Shakespeare)

Falar sobre ESPIRITUALIDADE é projetar o homem para além dos seus limites. Por Espiritualidade hoje se pode entender a capacidade do homem para Deus. O homem é um ser capaz de Deus! Numa hermenêutica moderna, “espiritualidade é a construção do verdadeiro sentido da vida” (FRANKL, 2005). Mas há espaços para refletir sobre morte e ressurreição na sociedade pós-metafísica (Nietzsche, Heidegger)? O que dizer sobre a vida e sobre a morte diante de um “mundo fragmentado, consumista, envolvido pela busca de prazer imediato, plenamente massificado, da sociedade do espetáculo e aparências?” (MONTEIRO, 2006).

A vida humana é sempre voltada para um contínuo amanhã, talvez por isto as ideias de vida e morte estejam presentes na reflexão humana desde seus primórdios. Muitos poetas, místicos e dramaturgos deixaram escapar por entre seus feitos verdadeiros lampejos de intuição e esperança. Conta a história que Santa Terezinha em seu leito confessava: “Não pense que eu estou morrendo, estou nascendo, vou para os braços do meu salvador”; e o chileno e universal Pablo Neruda, em seu mais profundo êxtase poético, se esperançava: “Peço licença e peço silêncio/ Não creiam que eu vou morrer/ Sucede que eu vou nascer/Peço licença pra nascer”. E ainda podemos narrar a busca incessante de Tiago de Melo: “Tarde embora, descobrimos que nascemos incompletos. Este absurdo nosso vício de apascentar esperanças, nos vem desse amargo amar o que, de nosso, restou no bojo da eternidade”; dentre muitos outros.

Mas ao lado disto, uma incômoda reflexão se impõe: a FINITUDE. Somos seres de passagem, mas esta consciência custa muito caro a uma sociedade que sonha com a “eterna juventude” e a “imortalidade” por conta própria. A morte é uma experiência incômoda numa sociedade narcisista e materialista. Não há mais espaços para “ritos de passagem”, “nem luto”, nada que lembre a vulnerabilidade humana. O homem hodierno quer ser “autossuficiente”, “invencível”, “forte” ou “semideus”, como falava Fernando Pessoa. Bem dizia Kierkegaard: “O drama do homem contemporâneo consiste em relativizar o absoluto e absolutizar o relativo”. Ora, o ser humano é um ser mortal e jamais ultrapassará a inevitabilidade da morte.

Mas muda alguma coisa no modo de pensar a morte sendo cristão? Sim, pois aqui o homem se vê confrontado com a verdade de Deus. O antigo artista de cinema, Mojica, recontando sua conversão, declarava: “Eu era como um navio sem leme. Tinha tudo e não tinha nada” (LIBANIO, 1990); pois assim é o homem sem Deus. Mas a perspectiva da fé, a abertura à Transcendência, muda tudo; também a visão sobre da morte. Para o cristão a vida não é tirada, mas transformada pelo poder daquele que é Senhor: “Eu sou a Ressurreição e a Vida”. Quem crê em mim, mesmo que tenha morrido, viverá. E todo aquele que vive e crê em mim, não morrerá para sempre (Jo 11, 25-26). Por isto os cristãos professam a fé na ressurreição, a vida além da morte! E este é, precisamente, o sentido da comemoração de 02 de novembro que teve sua origem no mosteiro beneditino de Cluny.

Finalmente, situando nossa esperança “no que os olhos nunca viram” (MÜLLER, 2004), concluo com o ato de fé de um jornalista guatemalteco em meio a uma situação de extrema ameaça de vida, mas crente em Deus: “nem eu nem ninguém estamos ameaçados de morte, estamos ameaçados de vida, ameaçados de esperança, ameaçados de amor. Nenhum cristão está ameaçado de morte, está ameaçado de ressurreição” (ESCLARÍN, 2003).

 

 

 

Referências

ESCLARÍN, Antonio Pérez. Educar valores e o valor de educar. São Paulo, Paulus, 2003.

FRANKL, Viktor. A presença ignorada de Deus. Petrópolis: Vozes, 2005.

LIBANIO, João Batista. Deus e os homens: os seus caminhos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1990.

MONTEIRO, Dulceia da Mata (org.). Espiritualidade e finitude. São Paulo: Paulus, 2006.

MÜLLER, Wunibald. Deixar-se tocar pelo sagrado. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.