Por  Márcio Siqueira

 Historiador 

Conta-se que um prefeito morreu e ao chegar do outro lado, teve a opção de escolha: céu ou inferno. Primeiro foi ao inferno e foi recebido com tapete vermelho, bebidas, aperitivos, viu maravilhosa estrutura de lazer, belas mulheres, um lugar maravilhoso. Visitando o céu, viu um lugar sóbrio, calmo, pacato, tudo clean, sossegado. Acostumado com o agito da capital, das reuniões, das correrias, optou pelo inferno, pois era mais parecido com ele. Ao voltar ao inferno, após ter feito a escolha e sem direito a arrependimento, encontrou um lugar sombrio, gritos de horror, gemidos de dor, quente, triste, assustador.

Perplexo, foi reclamar ao diabo contando que havia feito a escolha baseado no que vira ao visitar o local. Calmo e sincero, o diabo respondeu. Estávamos em campanha pela sua alma. E tudo era permito para consegui-la. Na antiguidade, palavra era um código de honra que deveria ser cumprido sempre, não importava as circunstâncias. O código dos samurais japoneses expressava isso.

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Entre os 10 mandamentos, o sétimo era bem claro: “7. Manter sua palavra a qualquer custo.” (do livro “Hagakure”, de 1716). Hoje, o que se vê é um verdadeiro esquecimento da palavra empenhada. A palavra dada é um compromisso. A palavra escrita é um contrato. Quando empenhamos nossa palavra com outra pessoa, sobretudo quando se trata da coisa pública, assumimos um compromisso que deve ser constitucionalmente cumprido. Houve um tempo em que o fio do bigode e a palavra dada valiam tanto ou mais do que uma escritura.

Grandes negócios eram realizados na simples confiança na palavra das partes envolvidas. A falta de comprometimento é uma das justificativas do grande número de processos que entopem as varas cíveis e criminais da justiça brasileira. Se cada um cumprisse a palavra dada, faltaria trabalho para os magistrados, promotores e advogados… Dignidade é para poucos, muito menos ainda para a maioria de nossos políticos e seus asseclas, que deveriam, por imposição constitucional, desculpar-se e responderem judicialmente pelo trato velhaco praticado perante à população. Quem faz o que fala que fará não pode ser repreendido, nem envergonhado, nem taxado de “falastrão”.

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Quem não cumpre o que promete… Parece que vivemos num país às avessas, onde o contrário, o erro e a mentira são normalidades. A verdade chegou ao cúmulo de envergonhar quem a pratica. A negativa é regra. Todos negam, mesmo flagrados pelas câmeras de (in)segurança. São tantas as negativas que a verdade não é mais importante num processo. A vergonha está envergonhada de aparecer. A ética está desmoralizada; o escândalo, banalizado. Ninguém mais se choca, ninguém mais se impressiona ou se envergonha com as ações desavergonhadas dos nossos políticos. E “o que mais preocupa não é o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem-caráter, dos sem-ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons, (Martin Luther King).

Joseph Goebbels, ministro de Propaganda do governo Hitler (que não era ético), afirmava que “uma mentira dita muitas vezes vira verdade”. A classe política brasileira tem nesse fascista sua inspiração. Todos deveriam ter nos seus escritórios/gabinetes uma foto do assessor de Hitler, mas como eles não são tolos (ou melhor, éticos) a foto que usam é a do Cristo ou a do chefe do poder executivo, mostrado, por essa ação, sua “incondicional lealdade”. Por falar em lealdade, essa palavra parece que nunca foi lida ou ouvida pelos políticos. Não há nenhum tipo desse sentimento na política. Não há lealdade ideológica, partidária ou pessoal.

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 A lealdade deles é com o poder e com o dinheiro. É deprimente ver os ódio à flor da pele se calar ao tilintar das moedas, dos cargos, das emendas parlamentares. Dar nojo ver um acirrado opositor, da noite pro dia, virar um descarado defensor, após sair do balcão das negociações das coisas públicas.