por Cícero Lopes da Silva, teólogo e mestrando em Ciências da Religião

Na sociedade de consumo e da racionalidade científica há pouco espaço para a espiritualidade. As grandes conquistas da ciência e da técnica parecem preencher todos os espaços (ZILLES, 2004). Somente no século passado superamos – pelo menos em termos técnico-científico – todos os séculos anteriores. Se outrora o futuro tardava, agora se transforma a cada momento. Para se ter uma ideia do compasso atual destas transformações, recordemos que em 3500 a.C. o homem descobria a roda; lá pelo ano de 260 a.C. o parafuso; em 800 d.C. os moinhos de vento; em 1774 a máquina a vapor e em 1983 a internet etc. (YENNE, 2003); daí para cá as revoluções acontecem instantaneamente, diariamente.

E como se não bastassem novas inversões estão por vir, como é o caso da tecnologia robotizada, do trêm magnético, do microscópio de energia atômica, da artroscopia, da laparoscopia e da realidade virtual, algumas já presentes no mundo atual etc. Outras conquistas ainda poderão surgir. Mas teriam estas inovações capacidade suficiente para preencher de sentido os espaços do coração humano?

Certamente que não, pois estas respondem apenas a questões materiais, e não existenciais. Por isto, vivemos numa época de despersonalização e vazio, onde a pergunta sobre “o sentido” da vida se impõe fortemente (FRANKL, 2005; 2007). Na verdade, o homem não é apenas um ser material/racional, mas também afetivo e espiritual, de modo que viver autenticamente implica desenvolver estas três dimensões, e não há qualquer antagonismo nisto.

Dado que desenvolvemos excessivamente a dimensão material e deixamos anêmicas as demais, nosso coração continua sôfrego, inquieto, sedento! Tinha razão Agostinho de Hipona (354-430) quando dizia, “Fizeste-nos, Senhor, para ti e nosso coração estará sempre inquieto, não parará até repousar em ti, até descansar em ti”.

De modo que apenas a materialidade do mundo e o fetichismo das vitrines (DEBORD, 1997) são incapazes de preencherem de sentido o coração humano. Daí o surpreendente florescimento das religiões em plena modernidade (SUNG, 2005; BERGER, 2000), dando razão às palavras de Plutarco (46-120) nos inícios da era cristã, “Podereis encontrar uma cidade sem muralhas, sem edifícios, sem ginásios, sem leis, sem uso de moedas como dinheiro, sem cultura das letras. Mas um povo sem Deus, sem oração, sem juramentos, sem ritos religiosos, sem sacrifícios, tal nunca se viu”.

“E como se não bastassem novas inversões estão por vir, como é o caso da tecnologia robotizada, do trêm magnético, do microscópio de energia atômica, da artroscopia, da laparoscopia e da realidade virtual, algumas já presentes no mundo atual etc. Outras conquistas ainda poderão surgir. Mas teriam estas inovações capacidade suficiente para preencher de sentido os espaços do coração humano?”

Desta feita, não há que se estranhar que grandes intelectuais, famosos cientistas, ricos empresários de poder econômico nacional e internacional, estejam participando, cada vez mais, de Seminários, Estudos e Palestras com a temática da Espiritualidade humana (BOFF, 2001). Cabe ainda lembrar que as conquistas da ciência são ambíguas, trazendo também males e destruição, como a crise ambiental e nuclear. Por certo, “Quando há ferrugem no coração de lata, a fé ruge e o coração dilata” (Fenando Anitelli).

A abertura a espiritualidade pode representar hoje um caminho de esperança (BLOCH, 2005) para o mundo moderno e a porta de saída para muitos males que afligem a humanidade (BAUDRILLARD, 1990). Por isto, termino este artigo com um breve texto dos mestres da espiritualidade universal, que sintetiza maravilhosamente o desejo mais escondido do coração humano:

“Um jovem aproximou-se de um Rabi e disse-lhe: “Gostaria de me tornar seu discípulo”. O Rabi respondeu: “Podes sê-lo, mas com uma condição. Deves responder à pergunta: Amas tu a Deus”? Então, o discípulo ficou triste e pensativo. Respondeu: “De fato, amar a Deus, isto não posso afirmar”. O Rabi, amavelmente, disse ao discípulo: “Se tu não amas a Deus, tens o desejo de amá-lo?” O discípulo demorou-se em responder: “Ás vezes, sinto este desejo de amá-lo de verdade, mas com freqüência, tenho tanto que fazer que este desejo fica sepultado pelos afazeres do dia-a-dia”.

O Rabi, temeroso, disse então: “Se não experimentas, tão claramente, o desejo de amar a Deus, tens ao menos o desejo disto, o desejo de desejar amar a Deus?” Finalmente, o rosto do discípulo resplandeceu e disse: “Isto, sim, eu tenho. Eu desejo ter o desejo de amar a Deus”. O Rabi concluiu: “Muito bem: Isto é o começo… Tú estás a caminho…”

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BAUDRILLARD, Jean – A transparência do mal: ensaio sobre os fenômenos extremos. Campinas, SP: Papirus, 1990.

BERGER, Peter L. A dessecularização do mundo: uma visão global. Rio de Janeiro: Religião e Sociedade, 2000.

BLOCH, E. O princípio da esperança. Rio de Janeiro: EdUERJ; Contraponto, 2005.

BOFF, Leonardo. Espiritualidade: um caminho de transformação. Rio de Janeiro, Sextante, 2001.

DEBORD, Guy – A sociedade do espetáculo. RJ: Contraponto,1997.

FRNKL, Viktor E. A presença ignorada de Deus. Petrópoles, RJ: Vozes, 2007.

_______, Viktor E. Um sentido para a vida: psicoterapia e humanismo. 15 ed. Aparecida, SP: Ideias e Letras, 2005.

SUNG, Jung Mo. Sementes de esperança: a fé em um mundo em crise. Petrópolis: Vozes, 2005.

YENNE, Bill. 100 invenções que mudaram a história do mundo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.

ZILLES, Urbano. Crer e compreender. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.