Por Michel Aires de Souza

Quando as avaliações externas como IDEPE, IDEB, Prova Brasil, demonstram resultados pífios nas escolas, o governo se exime da culpa e diz que o problema está na formação ou na má vontade dos professores.

Culpando os professores pela má qualidade do ensino, ele não enxerga o verdadeiro problema e tenta resolvê-lo com receitas prontas e acabadas, como por exemplo, reuniões ameaçadoras e promessas de gratificação salarial, como se o sucesso da educação fosse alcançado mediante uma recompensa financeira a um agente que, forçado a inserir-se nesta política, deixa de ser professor para se transformar num mercenário da educação.

Para o governo, os problemas educacionais são constantemente reduzidos a questões que podem ser resolvidas no âmbito do indivíduo, do esforço pessoal do professor. Ele ainda não enxergou, por miopia, que os problemas da educação são problemas políticos, sociais e culturais. Citarei apenas cinco deles, por considerá-los mais básicos:

1. É um problema de política pedagógica, pois institui a progressão continuada, que em termos práticos torna-se progressão automática. O aluno perde a motivação para aprender, pois sabe que não precisará fazer esforços para passar de ano. O professor torna-se impotente diante dessa situação e perde sua autoridade, pois a nota que ele aufere do aluno não tem valor. Em conseqüência disso, a indisciplina se institucionaliza.

A escola torna-se o local do encontro, da amizade, do namoro, mas quase nunca do ensino. Como conseqüência desse sistema, as crianças chegam ao final do primeiro ciclo sem saber ler e escrever ou, no ensino médio como analfabetas funcionais, sendo incapazes de interpretar um texto. 2. O problema da educação é também um problema estrutural. A escola pública no Brasil tem um modelo arquitetônico prisional.

Michel Foucault, filósofo francês, já havia estudado os males que este tipo de arquitetura causa ao indivíduo. Para ele, este tipo de arquitetura é uma arquitetura de esquadrinhamento, da disciplina, do controle, cujo único objetivo é controlar os indivíduos, criando seres dóceis e serviçais ao mercado de trabalho. O aluno da escola pública vive numa prisão.

A falta de comprometimento nos estudos, a desmotivação, a falta de interesse do aluno é em boa parte criada por esta “estrutura prisional”, onde as aulas tornam-se monótonas e chatas. Falta à escola pública uma estrutura material para que o aluno goste de estudar, como áreas verdes, quadras, equipamentos, salas de estudo, salas de teatro, salas de vídeo, salas de ginástica, biblioteca, materiais para uso em sala de aula, etc.

Um ambiente agradável com uma estrutura impecável é imprescindível para que o aluno aprenda. 3. O problema da educação é também social. Os problemas educacionais refletem as contradições da própria sociedade. Na base da educação há uma família geralmente carente material e intelectualmente. Pobreza, fome, falta de trabalho e falta de perspectiva são fatores que minam a educação.

O Brasil é uma das oito maiores economias do mundo, mas em indicadores sociais estamos ao lado de Botsuana e Moçambique: 30 milhões vivem em estado de miséria; 80 milhões não conseguem consumir as 2.240 calorias mínimas exigidas para uma vida normal; 50% da riqueza concentram-se nas mãos de 10% da população que ganham mais de dez salários; 60% dos trabalhadores no Brasil ganham até um salário mínimo.

Tais pessoas apresentam baixo nível de renda e consumo e baixo nível educacional, sendo por essa razão, incapazes de acompanhar seus filhos e dar uma boa assistência a eles. 4. É um problema de política salarial e de valorização do professor.

Os baixos salários, o descaso, o desrespeito, a imposição de políticas pedagógicas; tudo isso somado têm reflexos na educação. Os bons salários de alguns grupos de funcionários públicos, como os de juízes, promotores e políticos é provocado pela subvalorização de outros grupos, como o de professores. Para que alguns grupos possam receber melhores salários e acumular patrimônios, outros grupos necessitam ser explorados e sacrificados.

Em conseqüência dos baixos salários e dos descasos com a classe, o professor perde a motivação, não tem prazer em dar aulas, resigna-se, não fazendo um bom trabalho. 5. É um problema cultural, pois a sociedade não faz cobranças à escola. Nas escolas públicas não funcionam os colegiados, os conselhos, os grêmios estudantis. É raro encontrar um município do Sertão do Alto Pajeú que tenha uma legislação própria que regulamente seu sistema público de ensino e, seus Conselhos Municipais de Educação existem apenas nas Atas.

As desvalorizações por parte da sociedade em relação ao saber e ao conhecimento têm reflexos em toda estrutura educacional. Uma sociedade que não valoriza o conhecimento é uma sociedade sem história, sem memória. A participação da sociedade nas questões educacionais é imprescindível para melhorar a qualidade do ensino e para gerar a consciência política e reflexiva sobre os fatos. Como vimos, o problema da educação não pode se resolvido apenas por uma política de pressão ou de premiação no âmbito do microcosmo da escola ou do esforço individual de cada professor. As propagandas vinculadas à TV de um professor esforçado, voluntarioso, feliz, decidido a resolver os problemas da educação não condiz com a realidade. Educação não é auto-ajuda.

 Os problemas educacionais não podem ser resolvidos apenas no âmbito do individuo, da comunidade e do esforço pessoal. O problema da educação é antes de tudo um problema de vontade e racionalidade política, cultural e social.

Professor Márcio Siqueira – Licenciado e Especialista no ensino de História e Pós-graduando em Política e Gestão Educacional de Redes Públicas pela UFPE.