APRESENTAÇÃO

Dando continuidade à série especial Vila Bela: do Sonho ao Pesadelo, o FAROL evidencia nesta sexta-feira (2) a realidade de crianças e adolescentes que estão percorrendo cerca de 6km a pé todos os dias por conta da ausência de transporte escolar na rede estadual de ensino. O trajeto é marcado por relatos de consumo de drogas e assaltos. Mesmo assim, a vontade de estudar é mais forte.

Na primeira reportagem, publicada nessa quinta-feira (1º), conversamos com mães do bairro Vila Bela que estão à espera de providências do poder estadual. E que, por isso, são obrigadas a manter os filhos longe da escola. Na matéria abaixo, o quadro se inverte. O texto é assinado pelo repórter Giovanni Sá. As fotos são do argentino Alejandro García.

 EM BUSCA DE ESTUDO,

CRIANÇAS ENFRENTAM PERIGOS E

PERCURSO DE  6 KM

Tenho que estudar para ser alguém na vida. Esta é a lógica de dezenas de alunos que estudam nas escolas estaduais de Serra Talhada e que residem no residencial Vila Bela, a cerca de 5 quilômetros da Capital do Xaxado. Como o Governo do Estado não disponibilizou ônibus escolares e os alunos são proibidos de utilizarem os transportes pagos pela prefeitura, meninos e meninas criaram uma rota alternativa: espécie de atalho para encurtar a caminhada.

O trajeto é perigoso para quem acompanha os trilhos de trem da antiga ferrovia em busca de estudo, cercado de matos por todos os lados e ainda tendo que sobreviver a passagem de uma ponte estreita construída na época de ouro do transporte ferroviário na cidade. Essa é a realidade de crianças e jovens que são estimuladas a não ficarem em casa, a irem para a escola a pé percorrendo cerca de 5km diante da ausência de ônibus

“Eu gasto 30 minutos de caminhada para chegar na minha escola. Chego cansado e tenho medo de caminhar sozinho. Mas fazer o quê se não tem ônibus”, desabafou Kelvis Henrique, 13 anos, estudante da escola Antonio Timóteo. Ele sai de casa logo após o almoço para não perder o turno, que começa as 13 horas. A situação é mais complicada para José Rodrigo Braz de Lima, 12 anos, que estuda na escola Solidônio Leite, no centro da cidade, e utiliza a bicicleta para tentar chegar a tempo.

KELVIS DA SILVA DIZ QUE TEM MEDO DE FAZER O PERCURSO A PÉ, MAS PRECISA IR PARA ESCOLA

“Saio correndo todo dia. Passo na ponte com medo, mas as vezes chego atrasado e não me deixam entrar. Perco a primeira aula”, relata Rodrigo, dizendo não entender a divisão entre Prefeitura e Estado na questão da disposição de ônibus escolares. “Somos barrados nos ônibus da prefeitura porque estudamos nas escolas do Estado”. Rodrigo diz que tem a bicicleta para ajudá-lo a encarar o árduo caminho, mas queria mesmo ir de ônibus para o colégio. Um de seus medos é que, por conta de casos de assaltos e consumo de drogas na rota dos trilhos, bandidos levem a sua única locomoção no momento.

JEFERSON TEM MEDO QUE BANDIDOS LEVEM SUA BICICLETA NO TRAJETO DO BAIRRO VILA BELA PARA A ESCOLA ESTADUAL SOLIDÔNIO LEITE

MÃES DIVIDEM ANGÚSTIA

REALIZANDO TRAJETO COM OS FILHOS

Para tentar driblar os perigos do trajeto alguns estudantes optaram em fazer o percurso em grupo. Meninos e meninas se unem para evitar o pior, já que há registros de assaltos e consumo de drogas de pessoas adultas ao longo do percurso. “Acho perigoso demais, mas tenho que ir à escola mesmo assim. É o caminho mais curto”, declarou Taís Bruna, 16 anos, que faz parte de um pequeno grupo de “peregrinos da educação”. Mas a aflição maior vem do coração das mães. Algumas arriscam fazer o trajeto ao lado dos filhos na ida e no retorno das aulas, mas outras usam como única arma a oração.

Luzia Furtado Leite, 36 anos, tem dois filhos que estudam na escola Irnero Ignácio e acorda as 5h30 para acompanhá-lo. “É um absurdo. A gente só é lembrado na hora do voto e não tem direito sequer a um ônibus escolar. Existem cinco ônibus da prefeitura rodando no Vila Bela e alguns viajam até vazios. Mas não podemos entrar, porque somos da rede estadual”, relata a dona de casa, revelando uma espécie de “apartheid” educacional. Ela faz uma provocação: “Qual a diferença de ser estudante da escola municipal ou estadual? Pagamos impostos do mesmo jeito!”

DESAMPARADAS PELO ESTADO, MÃES DIVIDEM ANGÚSTIA COM OS FILHOS PERCORRENDO TRAJETO PERIGOSO

Já a dona de casa Maria de Lurdes, 54, diz que faz das “tripas coração” para pagar o transporte diário para seus filhos e evitar que eles recorram ao perigoso percurso a pé. “Pago sem puder e faz falta na hora de comprar comida. Mas é o jeito. Não posso acompanhá-los”.

A “rota do trilho” por enquanto está sendo usada para encurtar o caminho até a sala de aula. Mas algumas mães temem que uma onda de assaltos e até estupros proliferem no local. Todas as manhãs e nos fins de tarde a passagem é disputada por quem deseja chegar em casa ou na escola. E como não há policiais militares, o perigo ronda a quem se atreve a seguir pela linha do trem. “Um assalto do celular de uma criança aconteceu em plena luz do dia”, disse Maria de Lurdes.

A ESTUDANTE TAÍS BRUNA: “ACHO PERIGOSO DEMAIS, MAS ESSE É O CAMINHO MAIS CURTO PARA CHEGAR À ESCOLA”