Do Diario de PE

Conhecida por ter tantas canções quanto as torcidas dos grandes times de futebol da Argentina, a militância kirchnerista estreou um novo hit: “Tenho a alma em pedaços, já não aguento essa dor, quero que ganhe Alberto e que então eu possa voltar a encher minha geladeira”.

A letra faz referência a Alberto Fernández, candidato oposicionista que lidera a corrida presidencial argentina para as eleições do dia 27 de outubro. Concorre com ele, em segundo lugar, o atual presidente do país, Mauricio Macri.

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As letras das canções kirchneristas, que misturam batucada, toques de candombe, chamamé e algo da melancolia do tango, discorrem sobre um glossário básico da esquerda local.

São comuns odes aos ex-presidentes Néstor (2003-2007) e Cristina Kirchner (2007-2015), veneração pelo general Juan Domingo Perón (1946-1955 e 1973-1974), gritos contra o imperialismo e ataques ao FMI (Fundo Monetário Internacional), à oligarquia e aos “gorilas” –como são chamados os que não são peronistas.

A militância juvenil foi um pilar de apoio importante desde o início da gestão Néstor Kirchner, morto em 2010.

Em 2003, junto a seu filho Máximo, o ex-presidente começou a se unir a jovens de esquerda, muitos deles familiares de desaparecidos da última ditadura militar (1976-1983). e dirigentes de grupos universitários, renovando a simbologia peronista.

Ao longo das gestões Néstor e Cristina, a La Cámpora, um dos muitos agrupamentos kirchneristas, hoje dirigido por Máximo, deixou de ser apenas um grupo de militância de rua.

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Embora não seja um partido, virou uma organização política que ajudou a eleger deputados e senadores e esteve à frente de empresas estatais, como a companhia aérea Aerolíneas Argentinas, e agências do governo, como a Anses (Previdência).

As atividades de base, porém, seguem. E seus integrantes mais jovens, peronistas de esquerda, inimigos do neoliberalismo e defensores da estatização de empresas, continuam na rua em protestos contra o governo e em marchas feministas e a favor dos direitos humanos, acompanhados de grupos como Kolina, Movimiento Evita, Juventud Peronista, Unidos y Organizados, Frente Transversal e Martín Fierro.

Eles também acompanham Cristina toda vez que a ex-presidente depõe à Justiça e comparecem às famosas marchas das quintas-feiras que as Mães da Praça de Maio realizam desde a década de 1970.

Entre um protesto e outro, realizam debates, dão aulas de história a estudantes do ensino médio, levam comida e ajuda a bairros pobres, imprimem camisetas e”¦ compõem músicas e videoclipes.

O nome La Cámpora é uma homenagem a Héctor Cámpora (1909-1980), presidente peronista que entrou para a história por ter sido leal a Perón e à missão que este lhe havia dado a partir do exílio: reunificar os sindicatos e as diversas correntes do peronismo para, assim, ganhar as eleições de 1973.

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Com o peronismo de volta ao poder, Perón pôde retornar de seu longo exílio europeu. Cámpora, então, deixou a Presidência, convocou novas eleições, e Perón venceu.

Além de evocar Perón e os Kirchner, os militantes escolheram como símbolo o Eternauta, personagem de histórias em quadrinhos que faz referência às lutas dos tempos da ditadura. Também evocam a luta da guerrilha urbana Montoneros, embora repudiem o uso da violência.

Entre os principais hits dos militantes está “Avanti Morocha”, um hino de apoio a Cristina Kirchner, que os militantes cantam em atos e, por exemplo, quando ela operou a tireoide, em 2012. A canção ressoou do lado de fora do hospital durante todo o período em que esteve internada.

Outro canto muito conhecido é “O que Acontece, Gorila?”, que diz: “O Clarín está chorando, porque com Cristina há um governo diferente, e teremos Lei de Meios”, em referência a uma legislação que limitaria as propriedades do Grupo Clarín, mas que acabou não sendo completamente implementada.

Outra, mais verborrágica e longa, é “Desde Bebê”, cuja letra diz: “Desde bebê/ em minha casa havia uma foto de Perón na cozinha/ e agora que sou grande/ unidos e organizados estamos com Cristina/ eu vou seguir/ a doutrina peronista porque não tenho dúvidas/ eu vou seguir/ a bandeira de Evita/ desde o berço até a tumba.”

Na madrugada do dia 12 de agosto, quando Alberto Fernández, com Cristina Kirchner de vice, venceu as eleições primárias com ampla vantagem, a avenida Corrientes, onde estava o “bunker” kirchnerista, ouviu essas canções outra vez.