Os 60 anos de carreira do nosso rei do forró, Assisão

Publicado às 17h deste domingo (11)

A coluna “Viagem ao Passado” deste domingo aterrissa sua nave virtual em 1962, para dessa forma poder celebrar os 60 anos de carreira do Rei do Forró, o nosso mestre Assisão. Foi naquele emblemático ano que o jovem Francisco de Assis Nogueira, que na época ainda não era conhecido como Assisão, despontou para o mundo da música, com a gravação de um compacto duplo. O LP que recebeu o mesmo nome do trio “Os Azes do Baião”, que era formado pelos primos João de Dande (zabumba) e Luiz de Dande (sanfona) e Assisão (voz e triângulo), têm quatro músicas, sendo que a “Ordem de Santo Antonio” (Botafogo na fogueira) foi a que mais de destacou.

Na década de 1970 tornou-se conhecido nacionalmente. Entre seus maiores sucessos estão Esquenta MoreninhaPau nas CoisasForró FerruadoPeixe PiabaFogueirinha e Pequenininha. A música Pequeninha já foi regravada mais de 250 vezes por diferentes artistas nacionais. Músicos como Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, Maciel Melo, Elba Ramalho, Três do Nordeste, Trio Virgolino, Frank Aguiar, entre tantos outros já gravaram músicas de Assisão.

Assisão é um fenômeno musical, com números que surpreendem aos mais desinformados. São mais de 700 músicas gravadas, mais de 50 discos, com mais de um milhão de cópias vendidas ao longo dos últimos 60 anos. Em 1987, o serra-talhadense conseguiu vender mais 350 mil cópias de discos, um feito para uma época em que poucos nordestinos tinham uma radiola em casa. Essa vendagem recorde lhe valeu um disco de platina dado pela gravadora. Nesse mesmo ano ele foi eleito, através de voto popular, em consulta feita por uma jornal do estado da Paraíba, como o Rei do Forró, um título que carrega com orgulho e maestria.

Mas toda essa trajetória de sucesso poderia ter sido interrompida se o artista tivesse desistido da música quando acidentalmente sua mão foi atingida por uma máquina de corta cerâmica. No fatídico episódio ele acabou perdendo parte dos dedos da mão esquerda. Mesmo sem poder tocar mais sanfona e outros instrumentos musicais, Assisão não parou de compor e de produzir musicas que viraram hinos para o povo nordestino.

Os 60 anos de carreira do nosso rei do forró, Assisão

ASSISÃO: PERSISTENTE, REVOLUCIONÁRIO E TRANSGRESSOR

Assisão nasceu na Fazenda Escadinha, em 1943, com três meses de vida foi morar na Fazenda São Miguel, em Serra Talhada. Quando era adolescente, o líder político da região observou a sua estatura elevada, e buscando o seu voto, fez com que os seus pais tirassem seus documentos indicando que já tinha 18 anos, a bem da verdade, ele só tinha 16 anos. Esse fato fez com que os seus 80 anos fossem comemorados em 2021, quando na realidade, os seus 80 anos de vida deveria ter ser comemorado em 05 de maio de 2023.

Aos 9 anos já compunha hinos para escolas e festas comemorativas. Sua primeira composição, chamada de ‘Piquenique’, feita aos 12 anos. Ainda na adolescência, quando estudava no Colégio Municipal Cônego Tôrres, o Rei do Forró, tinha uma vida bastante participativa em relação às atividades do educandário, a exemplo dos desfiles cívicos, bem como escrevendo textos de diferentes estilos. Em uma determinada ocasião escreveu o roteiro do que seria um filme. Infelizmente, ele acabou sendo enganado por uma pessoa que se disse representante de uma produtora multinacional de filmes.

Os créditos pelo roteiro ele nunca recebeu, e por ser muito jovem e inexperiente não guardou uma cópia do material para comprovar a sua narrativa. O fato ainda hoje é lembrando com tristeza pelo músico, que em face do desenrolar da história preferi não comentar essa passagem. Após concluir os estudos em Serra Talhada, pensou em ser médico, chegou a ir para o Recife estudar no Colégio Salesiano, onde fez curso preparatório para prestar vestibular. Entretanto acabou desistindo antes da conclusão e voltou para Serra Talhada e passou a se dedicar a vida artística.

Os 60 anos de carreira do nosso rei do forró, Assisão

No início da carreira, Assisão foi fortemente influenciado pelo rock in roll, principalmente pelo ‘heavy metal’. Um dos seus sonhos era ter uma banda de rock. Essa relação musical fez com que o artista utilizasse as referências dos ‘riffs ’ e ‘solos’ típicos dos grandes clássicos do rock na sua forma de se mexer no palco, a compor e a produzir as suas músicas, algumas dessas peculiaridades podem ser mais percebidas em “Forró do Futuro”, música gravada no revolucionário disco “Forró do se Imbiga” (1986). No LP, Assisão substituiu pela primeira vez o som da tradicional zabumba, sanfona e triângulo, pelos da guitarra, do baixo, do teclado e da bateria. Apesar das inovações ele manteve viva a essência do autêntico Forró.

Segundo o músico, Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, não gostou de ver a bateria nos seus shows e em tom crítico lhe perguntou: “O que é aquilo bicho que parece um cachorro latindo?” Outra influencia do serra-talhadense são as concepções esquerdistas, ainda que ele prefira não militar em atividades políticas e partidárias, mantendo assim a sua isonomia e independência como artista de primeira linha. Outra faceta de Assisão é ter expressado o seu lado transgressor e rebeldia em várias de suas composições, uma dessas está na letra de “Peixe Piaba” (Forró Está Presente), que segundo o cantor foi um protesto feito durante a Jovem Guarda.

“Quando a Jovem Guarda veio, veio com tudo, veio arrastando tudo, que nem um furacão. Então entrou pela zona urbana e rural, em todo canto. Ai eu fiz a música. Nós forrozeiros ficamos lá pra trás. Eu comparei a Jovem Guarda pra gente da zona rural como uma piabinha na terra, a piabinha na água tudo bem, mas na água ela vai morre. Então eu fiz: Peixe Piaba, Peixe Piaba/Peixe piaba não nada na terra/Está na hora, está na hora/Está na hora de mudar senhora/Eu Tenho uma novinha pra você/Já saiu rock, tango, tango e rock/E agora é forró que vamos ter./Toca Sanfoninha/Alegra teu povo/Nesse País pra frente/Nós Queremos tu de novo”Declarou Assisão em entrevista a TV Farol, em 05 de maio de 2021.

Os 60 anos de carreira do nosso rei do forró, Assisão

Outra música também emblemática nesse sentido é “Mala, Malinha e Maleta”, isso por que a letra possuiu muitas palavras de duplo sentido. É importante também destacar que o cantor foi observado pela Ditadura Militar, na década de 1970, agentes da censura foram a sua procura em show na cidade de São Paulo. Queriam saber qual era o objetivo do artista ao gravar a música Ponto de Vista, uma música quem não têm o costumeiro duplo sentido, umas das marcas do forrozeiro.

Em determinados trechos da música lê-se o seguinte: “mostrar a todas as abelhas/Que o povo é que faz o mel”, e também “somos iguais/filhos da mesma mãe/filhos do mesmo pai”.  Os agentes da censura perguntaram se ali na estaria surgindo um novo Geraldo Vandré. Após 5 h de detenção, o cantor foi liberado porque os policias ficaram sabendo que ele era conterrâneo de Lampião. O curiosamente é o fato de que os agentes da Ditadura Militar terem gostado do famoso cangaceiro.

Em 1980, duas músicas do serra-talhadense foram censuradas pelos militares, “Pé de Ouro” e “A Prima da Geny”. A primeira por que tinha a palavra “teso”, que foi considerada como sendo “inadequada”, e a segunda, porque fazia alusão a uma certa ‘geni’, cantada por Chico Buarque de Holanda e  também tinha a expressão “já jogaram até coco”, que foi considerada como “termo vulgar” e “inapropriado para à divulgação”.