Trio de cientistas desenvolvem ferramenta para construção de moléculasDo G1

Carolyn R. Bertozzi, Morten Meldal e K. Barry Sharpless são os ganhadores do Prêmio Nobel 2022 em Química, anunciou a Academia Real das Ciências da Suécia nesta quarta-feira (5).

Bertozzi e Sharpless são americanos. Meldal é dinamarquês. Até agora, Bertozzi é a única mulher que ganhou o prêmio este ano. Já Sharpless está recebendo um Nobel pela segunda vez (ele já havia recebido a mesma láurea em 2001, por outro trabalho na área).

Eles dividirão o prêmio que totaliza 10 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 4,8 milhões).

O grupo levou o Nobel pela criação de uma ferramenta criativa para construção de moléculas com o “desenvolvimento da química do clique e da química bioortogonal”.

Entre muitas outras aplicações práticas, o trabalho do trio permitiu que tratamentos contra o câncer possam ser mais direcionados, afirmou o comitê do Nobel.

Usando essa chamada química do clique, produtos farmacêuticos mais precisos podem ser desenvolvidos, “garantindo que medicamentos possam chegar aos lugares corretos no corpo de pacientes”, afirmou Bertozzi, por telefone, durante a coletiva de imprensa que anunciou o prêmio.

As descobertas “lançaram as bases para uma forma funcional da química”, acrescentou o comitê. “Como resultado, a humanidade é a que mais se beneficia”.

No ano passado, o prêmio de Química foi para dois cientistas que desenvolveram uma ferramenta de construção de moléculas com menor impacto ambiental. Desde 1901, mais de cem pessoas foram laureadas. A distinção científica só não foi concedida em oito ocasiões: em 1916, 1917, 1919, 1924, 1933, 1940, 1941 e 1942.

Até 2021, contudo, das 187 pessoas agraciadas com o Nobel em Química, apenas 7 eram mulheres. Entre elas, a cientista polonesa Marie Curie, a primeira mulher a ganhar um Nobel.

As descobertas

As reações químicas acontecem quando as ligações entre os átomos são quebradas e rearranjadas, formando novas substâncias.

Os cientistas comparam esse processo como fazer um bolo. Os ingredientes da receita, o açúcar, os ovos, a farinha, etc., são misturados e, juntos, com a ajuda do forno (uma mudança de temperatura) se transformam em algo novo: o bolo.

Na prática, porém, o problema é que muitas dessas reações químicas não possuem uma receita tão simples e produzem materiais e moléculas (um conjunto de átomos) de uma forma bastante complexa, cara e que consome muito tempo.

“Este ano, o Nobel de Química foi para cientistas que desenvolveram um método que cria reações muito simples”, explica ao g1 Christina Moberg, membro da Academia Real das Ciências da Suécia (o júri do Nobel de Química e Física).A “joia da coroa da química do clique” são duas moléculas facilmente preparadas em laboratórios, a azida alcino, que juntas com um terceiro ingrediente (íons de cobre), produzem reações químicas de forma muito simples.

Segundo o Comitê do Nobel, este tipo de ligação entre duas moléculas, que lembra o “clique” de um cinto”, mudou a Química para sempre, visto que essas reações podem criar uma variedade quase infinita de moléculas.

E foram Barry Sharpless e Morten Meldal que, nos anos 2000, apresentaram esse conceito – em trabalhos independentes.

Moberg, que também é professora de química orgânica, ressalta que essas reações de clique facilitam a produção de novos materiais. Um material plástico, por exemplo, pode se juntar, ou ser “clicado” com substâncias que conduzem eletricidade, são antibacterianas, protegem contra a radição UV, etc.

Mas a técnica tinha uma limitação: os íons de cobre utilizados no processo são tóxicos para o nosso corpo.

Por isso, o trabalho da bioquímica americana Carolyn Bertozzi foi fundamental para as aplicações farmacêuticas da técnica. Foi ela que, segundo o Nobel, levou essa química do clique a um novo nível ao desenvolver reações de clique que funcionavam dentro de organismos vivos.

E isso só foi possível porque a cientista descobriu que os ingredientes do bolo dessa reação (as azidas e alcinos) podem reagir de maneira quase explosiva – sem a ajuda de cobre – se o alcino for forçado a formar uma estrutura química em forma de anel.

Além disso, surpreendetemente, essas reações funcionavam ainda melhor em ambientes celulares, sem interromper a química normal da célula (chamadas de reações bioortogonais).

Hoje em dia, essa técnica esta sendo estudada para o desenvolvimento de medicamentos que produzem anticorpos “clicáveis” contra uma variedade de tumores.

“Basicamente, estas descobertas podem ser utilizadas em qualquer coisa”, disse Olof Ramström, membro do Comitê Nobel de Química.

“Nós podemos fazer novos compostos de drogas para tratar doenças, todos os tipos de materiais diferentes, como polímeros, apenas clicando coisas. Podemos fazer isso com tudo o que conseguimos imaginar”.