Brasil não tem psicólogo na Copa; por que isso é uma decisão ruim?
Foto: Jewel Samad / AFP

Do UOL

 

A seleção brasileira não tem psicólogos na comissão técnica da Copa do Mundo do Qatar. A ausência não é novidade. A última vez que atletas tiveram acompanhamento de uma psicóloga foi em 2014. E, na época, não houve um trabalho de longo prazo —que é o ideal.

Durante a Copa disputa no Brasil, Regina Brandão visitou o elenco a pedido do então técnico Luiz Felipe Scolari, sem integrar oficialmente o quadro de profissionais da delegação brasileira. Ela foi chamada depois que o goleiro Júlio César e o zagueiro Thiago Silva, dois líderes em campo, choraram antes da disputa de pênaltis contra o Chile, nas oitavas de final —e a falta de preparo emocional dos jogadores ficou ainda mais clara no famoso 7 a 1, contra a Alemanha.

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Em 2018, na Rússia, questionada sobre a decisão de não levar psicólogos à Copa, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) afirmou em comunicado que o curto período do torneio impediria o vínculo dos atletas com os profissionais, e isso dificultaria a realização do trabalho.

VivaBem entrou em contato com a assessoria de imprensa da CBF para perguntar por que novamente não há psicólogos na comissão que foi à Copa do Qatar, e se a entidade incentiva os atletas a buscarem o acompanhamento por conta própria, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.

Tite, que também era técnico da seleção em 2018, e a sua comissão tiveram visitas de uma psicóloga ao longo da preparação, contou o treinador em entrevista ao “Bem, Amigos!” (SporTV). Fora da seleção, jogadores também buscam suporte. O meia Everton Ribeiro, por exemplo, contou que o acompanhamento com psicólogas foi essencial para colocá-lo “na direção certa”, após ficar de fora de convocações no início deste ano.

 

O que um psicólogo que acompanha uma seleção faz

 

O objetivo dos psicólogos nas grandes competições é diferente da terapia “convencional”. Na terapia, o foco é o autoconhecimento e as mudanças comportamentais mais profundas, um trabalho individual e feito a longo prazo. Já no caso de um torneio curto, o propósito é buscar o equilíbrio do time e atender a emergências emocionais —um resultado ruim, a contusão de um jogador importante, crises de ansiedade, conflitos entre atletas do time ou problemas da vida pessoal que impactam o desempenho.

Até o dia do jogo, todos os aquecimentos mentais já foram planejados, as possíveis tomadas de decisão. “Tudo o que demandar gestão de estresse fazemos na hora da competição. Estamos ali para observar”, explica a psicóloga Carla di Pierro, que acompanha a seleção brasileira masculina de vôlei e os nadadores Ana Marcela Cunha e Bruno Fratus, medalhistas de ouro e bronze, respectivamente, nas Olimpíadas de Tóquio.

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Como em qualquer atendimento, os conteúdos das conversas são sigilosos, mas, quando acompanham times, os psicólogos compartilham impressões com outros especialistas e membros da comissão. O trabalho é multidisciplinar, atuando no desenvolvimento de todas as competências do atleta.

A observação do grupo deseja manter as dinâmicas individuais e coletivas em equilíbrio. Entre as diversas variáveis, há atenção para duas coisas: as coesões sociais e de tarefas daquele elenco. A primeira engloba as relações e a convivência, enquanto a segunda aborda os objetivos do grupo. Espera-se que as pretensões do time sejam as mesmas, mas não é incomum que vontades pessoais se sobressaiam às coletivas.

“A coesão de tarefa acaba sendo a mais crucial em competições, mas se não tem a social elevada, um espaço sem afeto, sem boa relação, sem prazer de estar junto, fica mais fácil a coesão de tarefa esmorecer. É um quebra-cabeça”, diz Rodrigo Pieri, presidente da Abrapesp (Associação Brasileira de Psicologia do Esporte).

 

Ausência é erro e incompreensão, dizem psicólogos

 

Para Carla di Pierro, a ausência dos profissionais na comissão técnica brasileira é um erro.

“É fundamental a presença de um psicólogo do esporte nas equipes de saúde e performance de alto nível de qualquer modalidade. Ainda mais em competições com o nível de cobrança de uma Copa”,  Carla di Pierro, psicóloga esportiva.

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Entretanto, segundo ela, esse trabalho deve ser instalado com tempo, para que haja confiança da comissão técnica e dos atletas no trabalho dos profissionais que cuidam da saúde emocional. “Psicólogos precisam estar presentes desde o início do ciclo, como o preparador físico, o fisioterapeuta e o médico”, afirma.

No futebol, há grande envolvimento emocional dos torcedores com os times e atletas. Essa pressão é inata ao esporte e não precisa ser necessariamente prejudicial. No entanto, é importante o atleta aprender a lidar com ela para ter melhor performance, administrando as expectativas e preocupações. Algo que o psicólogo vai ajudar o jogador a conseguir fazer.

O psicólogo Rodrigo Pieri acredita que a ausência do acompanhamento mental do time reflete uma incompreensão sobre a especialidade, reflexo do que também ocorre na sociedade.

Cada vez mais atletas buscam o auxílio de psicólogos em sua preparação, mas o suporte ainda é pouco reconhecido no nível institucional, segundo ele. “O Brasil é o país que mais forma psicólogos e, ainda assim, a profissão ocupa lugar de desconhecimento, não só no esporte. Os atletas, não só de futebol, já perceberam a sua necessidade —e os familiares também.”

Outro obstáculo para agregar os profissionais é que muitas vezes a comissão técnica vê os psicólogos como aliados apenas para resolver problemas já instalados —como foi na Copa de 2014. O trabalho, na verdade, deve ser sobretudo preventivo.

“De certa forma, estamos conseguindo eliminar o estigma cultural de que atleta não pode ter cuidado com a saúde mental, até pela questão de ter um salário alto e não poder sofrer por causa disso. Acho que estamos mudando, tenho um olhar otimista sobre a consciência em relação a esse cuidado preventivo”, afirma Pieri.