
Por Paulo César Gomes, professor, historiador, escritor, colunista do Farol de Notícias e apresentador da TV Farol
A coluna “Viagem ao Passado” encerra hoje (segunda-feira, 3) a série de reportagens sobre a história de Dona Francisquinha Godoy, que nos deixou após uma tragédia que marcou a história de Serra Talhada e de toda a região, com apenas 39 anos de vida.
Nesta edição registramos alguns depoimentos que recebemos por aplicativo de mensagem. Os relatos trazem memórias de testemunhas temporais do crime, detalhes crueis do feminicídio e o destino do assassino Zezinho Carvalho.
Depoimento do radialista e jornalista serra-talhadense, hoje radicado em Petrolina, Nildo Gomes.
“Eu tinha apenas 9 anos e estudava no Solidônio Leite. Lembro-me claramente do impacto causado pela notícia do assassinato da professora Francisquinha Godoy. A cidade inteira ficou em choque. Movido pela curiosidade, fui até a residência dela, localizada bem em frente à escola. Pude ver as manchas de sangue na parede, que mais pareciam um desesperado pedido de socorro no auge daquela tragédia. Conheci todos os filhos dela, que demonstraram uma força extraordinária ao superar o trauma psicológico. Tornei-me amigo de alguns. A população passou a nutrir ainda mais admiração e respeito por eles, diante da coragem com que enfrentaram tamanha adversidade”, escreveu Nildo, completando:
“Algum tempo depois, o criminoso Zezinho Carvalho estava preso na cadeia pública. Mesmo muito jovem, decidi ir até lá. À distância, através das grades que ficavam logo na entrada do prédio, pude vê-lo tocando violão, tranquilo e frio. Exibindo um comportamento típico de um psicopata. Fiquei profundamente indignado. Não conseguia entender como aquele facínora havia tirado a vida da mãe dos seus próprios filhos daquela forma. Permaneci pouco tempo observando aquele cenário, que transmitia a doentia e covarde natureza do ser humano. Agradeci ao soldado da guarda, que permitiu minha entrada por alguns instantes, e me despedi. Refletindo sobre o impacto irreparável daquele crime na vida dos filhos órfãos, especialmente de Leozinho, o mais novo deles”.
Joaquim Pereira, serra-talhadense, membro do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco
“A casa foi ponto de peregrinação por muito tempo. Era muito menino, ainda morava na roça e um ano e meio após, tinha terminado o primário. Era o mais novo, pai nos levou para fazermos o ginasial, eu e mais duas irmãs. E foi nesse período que conheci o local da tragédia (numa rua perpendicular à Rua 15). Era o caminho do Industrial onde eu estudava, e por conta disso, da popularidade do local e a religiosidade”, relembrou Joaquim, continuando:
“Eu fui educado sempre passando por lá. Não faltavam velas acesas. O sangue na parede relatado, que era o maior registro do acontecido foi mantido. O Zezinho, conheci em 1983, na cadeia. Branco, alto, magro, cabelos grandes, vozeirão e tocava violão muito bem. Na época estava servindo no Tiro de Guerra 07/018 que ficava ao lado da cadeia e por isso, nas horas de folga sempre estava por lá”.
Zezinho, empresário serra-talhadense, ex-proprietário do Posto Três Irmãos
“Foram lindas reportagens contando a vida de Francisquinha. Eu tinha 19 anos. Lembro como se fosse hoje, foi uma comoção na cidade e na vizinhança. Depois de tantos anos, não mudou nada. Os homens, ou monstros, continua matando as mulheres”.
Antônio Soares, 85 anos, ex-delegado e filho do ex-prefeito Cornélio Soares, residente em Recife
“Foi uma tragédia. A Festa de Setembro praticamente acabou naquele dia, não havia mais clima para festa”.
Inaldo Nogueira (Nonon), serra-talhadense aposentado
“Não estudei com a Dona Francisquinha, mas me lembro que no dia do desfile eu cheguei sem o lenço vermelho que fazia parte da roupa da turma. Então ‘as irmãs’ disseram que era para eu voltar. Mesmo sem me conhecer, ela foi e arrumou um pano vermelho e colocou no meu pescoço. Em seguida, o desfile passou bem na frente a casa dela, ela aplaudiu todo mundo. Foi como se fosse um último adeus”.
Receba as manchetes do Farol de Notícias em primeira mão pelo WhatsApp (clique aqui)
A prisão de Zezinho Carvalho
Segundo trechos do Boletim Ocorrência:
“No dia sete de setembro do corrente mês, do ano em curso, por volta das dezenove horas e trinta minutos, o indivíduo José Nunes de Carvalho Filho, conhecido como “Zezinho Carvalho”, assassinou barbaramente com três tiros de revólver, a esposa Francisca Godoy de Carvalho, conhecida como “Francisquinha Godoy”, que residia na Rua Irmã Maria Luiza Rocha nesta cidade. O fato que deu consumação do delito deu-se por motivo de ciúmes infrutíferos e descabidos que o acusado tinha contra a pessoa da vítima, que de acordo com o depoimento das testemunhas, sempre foram infundadas e inverídicas todas as desconfianças que o acusado sentia pela vítima”.
“Pois ficou comprovado nos presentes autos que a vítima, Dona Francisquinha Godoy, era pessoa de conceito no seio da sociedade, uma senhora de moral, de caráter, de respeito, lescionava nos melhores colégios da cidade, procedia de uma das principais famílias, extremamente religiosa, cuidadosa e zelosa na criação dos filhos (09). (Ela) sofria seu drama conjugal e íntimo em ter um companheiro que não tinha nenhuma ocupação de trabalho, apenas vivia a maltratar a mesma com surras e destratando com palavras de baixo calão”.
Em outro trecho do boletim, é possível perceber o psicopata que era Zezinho Carvalho.
“No dia do crime, mostrando uma personalidade altamente periculosa, premeditando em todos os detalhes o hediondo crime, pois dono de uma frieza inconteste. Logo pela tardinha do dia em que foi efetuar o crime, o acusado conseguiu tomar uma certa importância em dinheiro da vítima, chamou os filhos para a festa de rua que se realizava nesta cidade, para que com isso o acusado ficasse mais à vontade com a esposa e conseguisse o seu intuito criminoso”.
“A vítima digeriu-se até o seu quarto, trancou a porta do mesmo e ajoelhada começou a rezar aos pés de um quadro de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Quando em dado momento, o acusado dando evasão aos seus instintos sanguinários, aproximou-se do quarto onde estava a sua esposa rezando. Presumindo-se que o acusado em tela tenha usado instrumento para retirar os parafusos das dobradiças da porta, conforme depoimento de um dos filhos (foto 1), tenha sultilmente entrado no quarto de arma em punho, batendo com o cabo do revólver (por trás sem dar direito de defesa para a vítima) na região frontal”, o que deixou marcas de sangue do rosto de Dona Francisquinha na parede do quarto, conforme imagem abaixo (foto 2).

Em seguida, diz o boletim:
“(Zezinho) proferindo contra a mesma toda a sorte de impropérios, não respeitando nem mesmo a presença de uma filhinha de 13 anos (Rosário), que chegou naquele momento e implorava, juntamente com a sua mãe, para que não a matasse. Todos os esforços foram em vão, o criminoso friamente desferiu três tiros seguidos na esposa, atingindo-a mortalmente, conforme exame cadavérico. Tendo em seguida se retirando às pressas do local do crime, aplicando uma violenta coronhada com o cabo do revólver no ombro de sua filhinha (Rosário), produzindo hematomas de acordo com exame de lesão corporal”.
“Dando continuidade ao seu ato brutal e sanguinário o acusado saiu desabalado, perseguido por uma das testemunhas conhecida por Dona Amara Fogueteira. Perseguido pelo clamor público, o acusado recebeu, já nas imediações da cadeia pública local, a voz de prisão do condutor (segundo testemunhas seria um Policial Militar, tendo sido recolhido a cadeia pública”.
O Boletim policial ainda destaca um outro lado monstruoso e podofilo de Zezinho Carvalho.
“De acordo com o depoimento, o acusado procurou por várias vezes seduzir a sua própria filha, a menor de 15 anos de idade, conhecida como Socorro. Não conseguindo o seu intento bestial em virtude das interferências da própria vítima, como também a interferência por várias vezes da testemunha Dona Amara Fogueteira. O acusado em tela nas vezes que procurou desvirginar a sua própria filha, usou de mal tratos e violência, chegando ao ponto de trancá-la no banheiro, agarrando-a, para evasão a sua tara e seus institutos bestiais”.
Segundo este mesmo Boletim de Ocorrência, Zezinho Carvalho foi enquadrados nos artigos nos artigos 121 e 129, do Código Penal Brasileiro. O escrivão foi o senhor Ailton Nogueira da Silva e o delegado que lavrou o documento, foi João Batista de Barros Filho, Capitão da PMPE, no dia 12 de setembro de 1973.
Os nove filhos tiveram que recomeçar a vida
Com a mãe assassinada e o pai preso por homicídio, os nove filhos de Francisquinha tiveram, ainda crianças, que recomeçar a vida. Por iniciativa de Abel Nogueira Peixoto, os filhos receberam auxílio financeiro, que não era administrado por eles. Foi alugada uma casa na Rua dos Correios, e Seu João Duque e Dona Socorro Godoy (já falecida) ajudaram a mobiliar o imóvel.
Segundo a filha mais velha, Socorro, “os menores passavam o dia brincando, jogando bola no rio e caçando passarinho. À noite recebiam visitas de Seu Madeira e de Dona Eleonor Godoy. E outro de Vanete Almeida, Dona Mercedes Novaes, e de João Duque e Dona Socorrinha, além de outras pessoas que eram muito amigas de dona Francisquinha”.
Gradativamente os filhos foram tomando rumos diferentes, mas a cada mês de férias se reencontraram. Infelizmente, em 05 de janeiro de 1998, os irmãos voltaram a sofrer uma perda irreparável, faleceu precocemente Bebeto Godoy, com apenas 38 anos.
Apesar de todos os sofrimentos vividos, todos os filhos de Dona Francisquinha seguiram de cabeça erguida, superando seus traumas, suas tristezas e a ausência da mãe querida.
O julgamento e a morte de Zezinho Carvalho
Zezinho passou sete anos preso na Cadeia Pública de Serra Talhada (foto abaixo), sem que conseguisse um advogado com coragem de defendê-lo. Mesmo com o dinheiro que a família dele tinha, nenhum advogado topou assumir a causa dada a barbárie do crime. Apesar de estar preso, Zezinho recebia visitas, inclusive íntimas, mostrando que ele tinha muitas regalias. A imagem que todos guardam é de um homem cabeludo que vivia a tocar violão, mas que jamais demonstrou qualquer arrependimento pelo bárbaro crime que cometeu.
O julgamento dele ocorreu no início dos anos de 1980, no CIST. O clube estava lotado, bem como a rua em frente. Esse foi o julgamento mais aguardado da história de Serra Talhada. Infelizmente, ainda não tivemos acesso ao processo criminal, mas certamente até a publicação do livro, teremos todos os detalhes do julgamento e novos depoimentos de amigas e admiradores de Dona Francisquinha Godoy.

Na época do julgamento ainda não existia a Lei de Crimes Hediondos, a Lei de Feminicídios e a Lei de combate a pedofilia, o que elevaria ele a cumprir a pena máxima nos dias de hoje. Enquadrado nos artigos 121 (homicídios com agravante), com pena de seis a vinte anos, e artigo 129 (ofender a integridade corporal ou saúde de outrem), com pena de três meses a um ano de reclusão.
Zezinho Carvalho, um ‘menino mimado’ na infância, conforme conta Socorro Godoy, em seu livro ‘Nada Por Acaso’, de 1984, acabou sendo condenado a 21 anos de prisão. Nenhum dos filhos teve acesso ao plenário do júri. Zezinho cumpriu os restantes dos 14 anos da pena em Recife, onde também recebeu privilégio de um homem importante, que a família evitar cita o nome.
Após salvar um jovem que tentou suicídio no presido da ilha de Itamaracá, esse novo pradinho de Zezinho ajudava ele a sair da cela para ir fazer shows em bares do Recife. Após alguns anos ele foi embora para São Paulo, casou-se novamente. E segundo a família, que nunca manteve contato com ele, Zezinho faleceu sozinho vítima de um infarto fulminante.
Os principais fatos de Serra Talhada e região no Farol de Notícias pelo Instagram (clique aqui)
Um tributo ao ser de luz
Encerramos essa série de reportagens históricas que marcou altíssimos índices de acessos ao site Farol de Notícias informando que não vamos publicar fotos de Zezinho para não haver nenhuma comparação ou apologia a esse tipo de psicopata. Também agradecemos a toda a família pela contribuição para realização desse trabalho e também para o futuro livro que tratará mais detalhes desse crime bárbaro.
Informamos ainda, que o Instituto Histórico de Serra Talhada irá apresentar um Projeto de Lei chamando de Francisquinh Godoy, que estabelece a realização anual, no dia 1º de julho, de ações institucionais voltadas à reflexão e combate à violência contra a mulher, envolvendo todos os órgãos da esfera municipal, e convidando representantes das esferas estadual e federal.
A proposta visa promover a conscientização da sociedade, a implementação de medidas preventivas e a criação de diretrizes para o fortalecimento da rede de proteção às mulheres vítimas de violência.
Ressaltamos, ainda, a necessidade de acolhimento e amparo às crianças e adolescentes órfãos de mães vítimas de feminicídio no município. A referida lei pretende estabelecer políticas públicas que garantam a esses órfãos suporte assistencial, psicológico, educacional e profissional, assegurando-lhes dignidade e oportunidades de futuro.
A última foto que deixamos aqui registrada é de uma jovem sonhadora, apaixonada pela vida, e que desejava que nos seu epitáfio tivesse a seguinte frase: “Aqui viveu uma mulher feliz”. Infelizmente, Zezinho assassinou esse desejo, mas não matou a luz, não ofuscou o seu brilho.
Dona Francisquinha continuará radiante o brilho de sua luz de onde esteja e continuará sendo esse ser cheio de pureza, assim como era na juventude nos tempos que ainda vivia em Serra Talhada e em Gravatá.
Dona Francisquinha Godoy,
Presente, agora e sempre!
26 comentários em Francisquinha Godoy e o destino do assassino Zezinho Carvalho em 1973