
Da Folha de PE
Com uma trajetória dividida entre o jornalismo, a vida intelectual e a literatura infanto-juvenil, a jornalista e escritora Míriam Leitão foi eleita ontem para a cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras (ABL). Aos 72 anos, a colunista do GLOBO sucede ao cineasta Carlos Diegues, morto em fevereiro.
A eleição aconteceu no Petit Trianon, sede da instituição no Rio de Janeiro, e foi conduzida com o uso de urnas eletrônicas cedidas pelo TRE-RJ. Em uma eleição concorrida, a nova imortal venceu no primeiro escrutínio, com 20 votos, superando o ex-senador e ministro Cristovam Buarque (14).
Seu ingresso amplia a presença feminina na ABL (são agora cinco mulheres no quadro de acadêmicos) e fortalece a tradição de escritores que pensam o Brasil. Nascida em Caratinga, Minas Gerais, Míriam dedicou mais de cinco décadas a analisar o país em algumas de suas áreas mais decisivas, da economia à política, passando pela floresta. Ela acompanhou de perto planos econômicos, crises sucessivas, o impeachment de Collor e Dilma, e a redemocratização.
Filha de educadores, Míriam iniciou sua trajetória profissional na imprensa capixaba. Passou por Brasília e São Paulo antes de se estabelecer no Rio de Janeiro, em 1986. Ao longo de 53 anos de carreira, trabalhou em veículos como Gazeta Mercantil e Jornal do Brasil, e desde 1991 integra o Grupo Globo.
A Casa de Machado de Assis será mais um ponto na frenética rotina da autora. Comentarista na rádio CBN e no Bom dia Brasil, comanda ainda um programa de entrevistas na na Globo News e uma coluna semanal no jornal O GLOBO. Míriam foi pioneira ao tornar a cobertura de economia mais acessível para o público leigo — algo que ela mesma destaca com frequência.
Duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti, o mais tradicional da literatura brasileira, Míriam tem 16 livros publicados de diversos gêneros literários. Suas obras mais recentes refletem os desafios de um Brasil polarizado. Reunião de textos escritos entre 2016 e 2021, “A democracia na armadilha: Crônicas do desgoverno” (2022) traça o cenário de impasse institucional vivido pelo país e os temores dos caminhos autoritários.
Por seus comentários na imprensa, Miriam já sofreu ameaças dos dois espectros políticos. Seguidamente seu nome aparece entre os tópicos mais discutidos da rede social X, recebendo críticas e sendo alvo de fake news à esquerda e à direita.
Presa e torturada aos 19 anos durante a ditadura militar, a jornalista tem sido uma voz consistente em defesa da democracia e da liberdade de expressão – uma postura que lhe rendeu, no ano passado, o Troféu Juca Pato de 2024, concedido pela União Brasileira de Escritores (UBE) ao intelectual do ano.
Após lançar diversas obras de não ficção, jornalista realizou um sonho tardio ao se tornar ficcionista. Finalista do Prêmio São Paulo de Literatura de 2015, o único romance de Míriam, “Tempos extremos”, coloca em diálogo dois períodos traumáticos de nossa História: a escravidão e a ditadura militar. Paralelamente, ela também se consolidou como uma das principais autoras infanto-juvenis do Brasil.
Algumas das preocupações ambientais tratadas são explicadas para as crianças em obras com pegada ecológica como “A perigosa vida dos passarinhos pequenos” (2013), “O mistério do pau oco” (2018) e “As aventuras no tempo” (2019).
— Cada livro infantil meu é um momento totalmente lúdico — explicou Míriam em uma entrevista de 2021. — Eu gosto de falar com esse público, eu gosto de a cada lançamento sentar no chão e ver como eles vão reagir ao livro. Nas apresentações nas escolas, já ouvi que nem pareço com a jornalista da televisão. Amo a correria do jornalismo, mas escrever é o que me completa.
No ano passado, Míriam lançou “Amazônia na encruzilhada: O poder da destruição e o tempo das possibilidades” (Intrínseca), um panorama da situação atual da região amazônica e das perspectivas de uma conciliação entre a preservação ambiental e a exploração econômica.
Miriam é ambientalista na prática. Ela e o marido, o escritor e cientista político Sérgio Abranches reflorestaram uma fazenda que compraram em Santos Dumont. Na área de 109 hectares, o casal destruiu o pasto e replantou 32 mil mudas de espécies nativas em mais de uma década. A propriedade é registrada como RPPN, Reserva Particular do Patrimônio Natural, o que significa que a área não poderá mais ser desmatada.
Na ABL, ela encontrará outras mentes inquietas com o futuro do planeta, como o filósofo e líder indígena Ailton Krenak e o cantor e compositor Gilberto Gil.