
Por Maria Edvirgem, escritora e professora serra-talhadense
Minha memória afetiva remete a um ritual mágico, grandioso e divino, tanto quanto a predileção e devoção dos mais sábios.
O acender da fogueira assemelhava-se ao Natal: luzes trepidantes, pedidos feitos, crenças renovadas e incontidos anseios da alma. Assim como as brasas, que timidamente ressurgiam das cinzas, contrariando o frio das manhãs brejeiras, significando também o renascimento.
A fumaça subia aos céus e se confundia com o típico nevoeiro do mês de junho, assim como as estrelas com algum balão perdido, num flertar explícito e fulgaz, que encantava e divertia nossas noitadas.
A fartura posta à mesa aguçava todos os sentidos, da visão inesquecível ao paladar apurado, viajando no requinte do mais terno e trivial, primando pela mais completa tradição.
Assim, o clarão nos levava à calçada, e a audição atiçava o desejo de distinguir os sons “dos festejos”, que, obedecendo a uma certa hierarquia pela idade, nos eram ofertados. Mas sempre havia os mais ousados, que driblavam os protocolos.
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A brincadeira era um verdadeiro espetáculo: traques, chumbinhos e bombinhas explodiam junto com a emoção; as chuvinhas rodopiavam graciosamente nas mãos, e as cobrinhas, sorrateiras pelo chão, pareciam nos perseguir. Por instantes, a sensibilidade olfativa misturava os cheiros de comidas, fogos, chuvas e felicidade.
As radiolas, de cores vibrantes e cada vez mais modernas, já davam sossego ao rádio, que, antenado em suas ondas, repousava sobre a cristaleira da sala. Assim como o candeeiro, que espreitava enciumado num canto as lâmpadas elétricas, esperando uma breve trovoada para voltar a reinar absoluto.
O fole da sanfona, o tengo-lengo do triângulo, a batida da zabumba e toda a genialidade dos discos de Luiz Gonzaga e Trio Nordestino substituíam as violas e vozes tão harmoniosas de Tonico e Tinoco, transformando a vida num esplêndido arraial.
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Da infância, trago todas essas lembranças. Do meu pai, a imagem mais marcante: todo êxtase em sua aparição, dos estrondos das bombas nas paredes, dos rojões rumo à imensidão. O olhar fascinado e bem matreiro vigiava nossas travessuras, mesmo quando fingia que não.
Minha mãe, toda dedicada, delicada e plena, olhava envaidecida e afetuosa, como era de sua natureza, sua prole — sem diferenciar netos e filhos. O sorriso estampado em cada rosto e o cansaço que teimava em se apossar de quem começara, ainda ao entardecer, a missão do divertimento. Agora, já era hora de recolher e de acolher em seus braços, num abraço impregnado de tão intenso e infinito amor.
O sono chegava e, com ele, vinham os sonhos, toda certeza e espera… da próxima fogueira. E no semblante, a mais pura e total satisfação.
A imaginação fértil e viva ainda vaga pelo terreiro; o coração bate no ritmo dos instrumentos, e a frequência acelera a saudade das histórias vividas e contadas, de tantas belas noites de São João e São Pedro, tendo Santo Antônio como confidente e guardião das utopias futuras.
“Oh! Que saudades que eu tenho das noites de São João…”
2 comentários em Professora de ST revela a ‘explosão de afetos’ com lembranças juninas