
Durante a sessão que aconteceu no plenário da Câmara de Vereadores de Serra Talhada nesta terça-feira, a vereadora Alice Conrado teria insultado seu colega de oposição, China Menezes, após ele ter realizado a cobrança sobre problemas que estão acontecendo na cidade.
Na ocasião, a parlamentar e mãe da prefeita Márcia Conrado, teria proferido uma expressão racista contra o vereador.
O caso repercutiu nas redes sociais e na imprensa local e tem gerado debate, em relação se o ato se enquadra ou não, como um crime de racismo. A parlamentar chegou a emitir uma nota negando que tenha cometido racismo, entretanto, há vários pontos a serem observados.
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Nesta quinta-feira (7), a reportagem do Farol de Notícias conversou com a advogada criminalista, Dra. Ana Ívidy de Souza Silva, OAB/PE 57.583 sobre os crimes de racismo e injúria racial, a fim de entender a diferença entre os crimes, como são prescritas as penalidades, bem como proceder em possíveis casos de injúria racial ou racismo.
Farol de Notícias: Qual a diferença entre racismo e injúria racial?
Dra. Ana Ividy: A discriminação racial (racismo) e a injúria racial são dois tipos penais distintos previstos na legislação brasileira, que buscam combater a desigualdade e a discriminação sofridas pela população preta e parda do Brasil ao longo de sua história.
A principal diferença entre os dois crimes está na vítima. Isso porque, o racismo é cometido contra toda a coletividade, ao passo que a injúria é proferida contra uma ou algumas pessoas em específico.
Farol de Notícias: O que pode caracterizar o racismo? Como identificar?
Dra. Ana Ividy: É importante mencionar que diversas condutas podem caracterizar racismo, como negar emprego a alguém por ela ser negra, ou impedi-la de acessar estabelecimento comercial pela sua cor de pele.
A discriminação racial – espécie mais comum de racismo – consiste na conduta de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, prevista no art. 20 da Lei nº 7.716, de 1989. A pena-base para esse crime vai de 01 (um) a 03 (três) anos, além do pagamento de multa.
Farol de Notícias: Quais as penas aplicáveis para o crime de racismo?
Dra. Ana Ividy: Há, porém, modalidades qualificadas, nas quais a pena aumenta substancialmente – variando de 02 (dois) a 05 (cinco) anos – quando o racismo:
for cometido por intermédio dos meios de comunicação social, de publicação em redes sociais, da rede mundial de computadores ou de publicação de qualquer natureza;
for cometido no contexto de atividades esportivas, religiosas, artísticas ou culturais destinadas ao público.
A pena ainda deve ser aumentada de 1/3 (um terço) se o agente for funcionário público.
Farol de Notícias: Estas penas também são aplicáveis em casos de injúria racial?
Dra. Ana Ividy: A injúria racial, por sua vez, sofreu diversas alterações nos últimos anos, tornando-se uma conduta substancialmente mais grave do que era antigamente. Essas inovações partiram tanto do Poder Judiciário – uma vez que o STF reconheceu a imprescritibilidade e a inafiançabilidade da injúria racial – quanto do Poder Legislativo, que aumentou as penas através da Lei nº 14.532, de 2023.
Atualmente, a injúria racial está prevista no art. 2º-A da Lei nº 7.716, de 1989, com a pena-base indo de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. Dessa forma, é considerado um crime de elevado potencial ofensivo, por não caberem as medidas despenalizadoras da Lei dos Juizados Especiais Criminais, como a suspensão condicional do processo e a transação penal. Se o juiz aplicar a pena máxima – o que é incomum – não caberia o livramento condicional, e o regime inicial de cumprimento de pena seria semiaberto. Se a parte fosse reincidente, poderia ter de cumprir a pena em regime inicialmente fechado.
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Deve-se mencionar, outrossim, que ambos os delitos são de ação penal pública incondicionada, ou seja, cabe ao Ministério Público adotar as medidas cabíveis, independentemente da vontade vítima. Dessa forma, se convencido da autoria e da materialidade, o Promotor de Justiça é obrigado a propor a respectiva ação penal, porquanto o STJ entenda que não cabe o Acordo de Não Persecução Penal aos crimes de discriminação e de injúria raciais.
Farol de Notícias: Como proceder em casos de racismo? É necessário possuir provas ou testemunhas?
Dra. Ana Ividy: Hipoteticamente, se um titular de mandato eletivo proferisse o termo “negro seboso” contra outro membro do Poder Legislativo, tal fato deveria – em tese – ser objeto de investigação por parte das autoridades públicas. Vale lembrar que tanto a Polícia Civil quanto o Ministério Público Estadual têm atribuição para investigar os fatos. Na apuração, é deveras importante a oitiva de testemunhas, a fim de elucidar os acontecimentos.
Essas testemunhas podem ser pessoas que presenciaram o ocorrido e – em razão disso – têm a obrigação de dizer a verdade, sob pena de incorrerem no crime de falso testemunho, apenado com reclusão de 02 (dois) a 04 (anos). Embora seja possível dar andamento ao feito apenas com base na palavra da vítima, sabe-se que é muito difícil – quase impossível – levar um caso dessa envergadura adiante sem a palavra das testemunhas.
O esclarecimento dos fatos é fundamental, uma vez que a dignidade racial do indivíduo é protegida tanto pela Constituição Federal, quanto por Tratados Internacionais. Por outro lado, se forem falsas as alegações, pode haver implicações civis e criminais à pessoa que as expôs, a exemplo do crime de calúnia, com pena que varia de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos, e multa.
Farol de Notícias: Como seria a definição da penalidade de casos de racismo e de injúria racial?
Dra. Ana Ividy: Quanto ao tipo penal aplicável ao caso hipotético, é preciso compreender o seguinte: para quem teriam sido direcionadas as palavras supostamente proferidas? Conforme explicado anteriormente, a discriminação racial tem como alvo a coletividade negra, enquanto a injúria racial é direcionada a uma pessoa ou a algumas pessoas específicas. Em se tratando do contexto parlamentar, é importante apurar se os alegados xingamentos teriam como objetivo questionar a capacidade de um parlamentar negro exercer o seu mandato em razão da cor de pele. Isto é, se o trabalho e se as opiniões dele são inferiores pelo fato de ele ser preto. Se for este o entendimento do Promotor de Justiça, é possível uma denúncia por racismo.
Todavia, é mais provável que os supostos impropérios caracterizem a injúria racial, considerando – hipoteticamente – a existência de relação prévia entre os envolvidos, o fato de ter sido direcionado especificamente à vítima e a ausência de opiniões racistas expostas anteriormente pelo autor. Vale lembrar que – embora os membros do Poder Legislativo possuam imunidade parlamentar – o STF já entendeu que tal proteção não pode ser utilizada como escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas.
Farol de Notícias: O caso pode ser justificado como direito a liberdade de expressão?
Dra. Ana Ividy: A Corte Suprema também se manifestou no sentido de que a liberdade de expressão não alcança a prática de discursos dolosos, com intuito manifestamente difamatório, de juízos depreciativos de mero valor, de injúrias em razão da forma ou de críticas aviltantes.
Pelo que foi exposto, o ordenamento jurídico brasileiro considera extremamente grave as condutas de discriminação e de injúria raciais. Trata-se de um posicionamento uníssono tanto do Poder Legislativo quanto do Poder Judiciário, que vem aplicando sanções severas àqueles que proferirem xingamentos raciais, seja contra indivíduos específicos, seja contra a coletividade.
Pode-se afirmar, portanto, que é possível a privação de liberdade caso alguém verbalize opiniões que atentem contra a honra ou contra a dignidade de pessoas negras. Nesse sentido, todo cidadão deve repensar seus comportamentos a fim de garantir uma convivência social harmônica e evitar consequências jurídicas indesejadas.
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9 comentários em Advogada explica os crimes de racismo e injúria racial após polêmica