
Na manhã desta terça-feira (30), um morador do bairro Alto da Conceição, em Serra Talhada, procurou a reportagem do Farol para expressar sua indignação pela cobrança de uma taxa, por parte da prefeitura municipal. Ele relatou que precisou solicitar uma nova ligação a Compesa e foi informado sobre a necessidade de pagamento de uma taxa, no valor de R$ 283,01 a prefeitura municipal.
Quando questionou sobre a existência da taxa, tendo em vista, uma série de impostos já pagos pelo cidadão, ele foi informado que a cobrança é devido a Compesa realizar a abertura do local e a gestão municipal ser a responsável pelo fechamento. Relembre. Também nessa terça-feira, a Secretaria de Finanças da Prefeitura de Serra Talhada, emitiu nota sobre o assunto, afirmando, inclusive, que a cobrança é legal e existe desde 2005. Relembre.
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Após a publicação, a professora de Direito Constitucional, Tributário e Digital na Graduação em Direito da Uninassau Recife e Serra Talhada; Anna Priscylla Prado, fez um comentário na postagem, explicando que a cobrança da referida taxa é inconstitucional perante a lei.
Diante disso, advogada também explicou os diferentes tipos de taxa que podem ou não serem aplicadas a população.
“É importante esclarecer que o STF já reconheceu a inconstitucional dessa taxa em diversas ações de Inconstitucionalidade proposta contra vários municípios, inclusive com decisões de ADI aqui no TJPE em face de legislação municipal. O serviço de manta asfáltico ou pavimentação é de característica universal, ou seja, geral e em hipótese alguma poderá ser remunerado por taxa ante a ausência do requisito da divisibilidade exigido pelo art. 77 do Código Tributário Nacional (que é a norma geral brasileira). O fato de existir uma lei desde 2005 no Município de Serra Talhada não implica na sua constitucionalidade/legalidade, já que o fato gerador não se coaduna com os requisitos da espécie tributária tornando a taxação plenamente inconstitucional!”
ENTENDA OS DIFERENTES TIPOS DE TAXAS
“Primeiro, é importante a gente esclarecer que o tributo, ele é o gênero do qual nós temos cinco espécies tributárias. Uma dessas espécies tributárias são taxas. As taxas são espécies tributárias da competência comum. O que é que significa dizer isso? Que todos os entes federativos podem criar taxas. Então o Estado pode criar taxa, os municípios podem criar taxas, a União Federal pode criar taxas e o Distrito Federal podem criar taxas. No entanto, o artigo 145, inciso 2 da Constituição Federal e o artigo 77 do Código Tributário Nacional, que é a norma geral em direito tributário no Brasil, estabelece o que nós chamamos de fato gerador das taxas. Dentro da criação de taxas pelos municípios, é possível os municípios terem dois tipos de taxa. Uma taxa que a gente chama de poder de polícia, que é uma taxa de fiscalização. E para que eu possa criar essa taxa, eu tenho que ter uma lei que a cria, eu tenho que ter um órgão que exerça a fiscalização e a fiscalização tem que acontecer no mundo real, ela tem que ser efetiva. Uma taxa de poder de polícia está atrelada à atividade de fiscalização.
Por exemplo, Serra Talhada tem a taxa para a liberação do alvará de funcionamento de um estabelecimento comercial. Essa taxa é plenamente constitucional, porque eu tenho uma lei, existe o órgão que exerce a fiscalização e para eu abrir um estabelecimento, uma equipe da Prefeitura vai lá no meu estabelecimento, verifica se eu estou cumprindo as normas técnicas e se eu tiver, libera o meu alvará de funcionamento. Esse é um tipo de taxa. Um outro tipo de taxa que os municípios podem criar são as taxas de prestação de serviços públicos. E é aí onde está inserida, em especial, essa taxa que popularmente está conhecida como taxa tapa-buraco ou taxa de colocação de pavimentação ou manta asfáltica. Aqui é importante destacar que uma taxa de prestação de serviço público tem que cumprir os requisitos do artigo 77 do Código Tributário Nacional.
E aqui eu vou apontar cinco requisitos importantes. Primeiro, essa taxa tem que ser criada por lei. Nós temos essa previsão no Código Tributário do município de Serra Talhada. O serviço tem que ser específico, ou seja, o cidadão tem que identificar qual é o tipo de serviço que está sendo prestado. O serviço tem que ser divisível. O que significa divisibilidade? Ou seja, eu tenho que transformar o cidadão em parcela autônoma. Eu tenho que saber individualizar o contribuinte que está utilizando de forma individualizada aquele serviço. Ou seja, é Maria, é Antônio, é João. Eu tenho que tornar o contribuinte de forma individual. Então, esse serviço tem que ser um serviço singular, onde eu consiga individualizar o contribuinte. E eu vou pagar essa taxa se eu utilizar o serviço ou mesmo que eu não utilize, pelo simples fato do serviço estar posto à minha disposição. Esses são os requisitos da criação de uma taxa de prestação de serviço público, prevista no artigo 77 do Código Tributário Nacional. No entanto, alguns tipos de serviço público não podem ser remunerados por taxa. Por quê? Porque falta o requisito da divisibilidade. Vou dar dois serviços que não podem ser remunerados por taxas, para vocês entenderem, e que já foi declarado inconstitucional pelo Supremo”
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O primeiro serviço é o serviço de iluminação pública. Eu não posso remunerar o serviço de iluminação pública, que é o serviço de ruas, por taxa. Por quê? Porque esse serviço não é divisível. Eu não consigo individualizar quais são os contribuintes que estão usando aquele serviço, porque eu estou lidando com um serviço de característica geral, universal. Todos os cidadãos se valem da iluminação pública. Então, falta um requisito da criação dessa taxa, o que torna inconstitucional, por ausência do requisito da divisibilidade. O Supremo declarou a inconstitucionalidade dessa taxa, inclusive editou um precedente vinculante, uma súmula vinculante, que é a súmula vinculante 41, que diz o serviço de iluminação pública não pode ser remunerado por taxa. Da mesma forma, um outro serviço, para a gente entender a ausência de divisibilidade, serviço de limpeza pública, que é a limpeza de ruas, que é o gari que passa ali na rua, varrendo rua. Eu não posso remunerar esse serviço por taxa. Por quê? Porque é um serviço de característica universal. Então, eu não consigo individualizar quem são os contribuintes que estão utilizando aquele serviço. Se é um serviço universal, eu não posso remunerar por taxa.
E é aí que reside a questão relacionada a essa taxa, estabelecida pelo município de Serra Talhada e está prevista no Código Tributário Municipal, e que o fato de estar previsto não significa dizer que ela é constitucional, pelo contrário. A taxa que o município de Serra Talhada resolveu cobrar agora, porque ela está prevista no Código Tributário Nacional, é uma taxa relacionada à colocação de manta asfáltica ou pavimentação pública. É importante aqui esclarecer que esse serviço público de pavimentação ou de colocação de manta asfáltica, ele é um serviço indivisível. Ele é um serviço universal. Eu não consigo individualizar quem são os contribuintes que estão se beneficiando diretamente por aquele serviço, porque não é apenas as pessoas que moram naquela rua, naquele bairro, são todas as pessoas que se beneficiam do serviço de pavimentação pública ou manta asfáltica. Logo, eu estou diante de um serviço indivisível, geral, e se esse serviço é indivisível e geral, eu não posso remunerar este tipo de serviço público por taxa, em razão da ausência do requisito da divisibilidade, o que viola frontalmente o artigo 77 do Código Tributário Nacional, que é a norma geral em matéria tributária, e por consequente, o artigo 145, inciso 2 da Constituição de 1988, transformando, por sua vez, essa taxa plenamente inconstitucional”
O QUE FAZER EM CASO DE COBRANÇAS DE TAXAS?
“Uma norma, ela só é declarada inconstitucional quando alguém provoca o Tribunal de Justiça. Então, nesse caso, o Ministério Público, uma associação com representação no âmbito do Estado de Pernambuco, pode propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça, enfrentando a Lei Municipal de Serra Talhada, para pedir o reconhecimento da inconstitucionalidade dessa taxa. Até que uma norma seja declarada inconstitucional, ela presume-se constitucional. Significa dizer, a princípio, que eu teria que pagar a minha obrigação tributária. No entanto, um contribuinte pode questionar administrativamente, na própria Prefeitura, fomentando um procedimento administrativo voluntário do contribuinte, para pedir a isenção, a dispensa de pagamento dessa taxa, em razão de sua flagrante inconstitucionalidade.
Para evitar uma ação direta de inconstitucionalidade, ou uma ação individual na Justiça, que discuta de forma difusa a inconstitucionalidade dela, o recomendado é que o município utilizasse seu próprio poder de autotutela, e corrigisse a inconstitucionalidade dessa própria legislação, deixando de cobrar, ou modificando o Código Tributário Nacional do município de Serra Talhada, para extinguir esse tipo de taxa, em razão de sua flagrante inconstitucionalidade.
Então, o contribuinte pode fomentar um procedimento administrativo voluntário, perante a Secretaria de Finanças, questionando a constitucionalidade direta dessa taxa, para ele se resguardar e não realizar o pagamento, ou procurar o Poder Judiciário, fomentando uma ação anulatória fiscal, para quem já recebeu o boleto, para anular esse tipo de cobrança, em razão de sua inconstitucionalidade, ou procurar o Ministério Público, que é um dos legitimados aqui no Estado de Pernambuco, perante a Constituição do Estado de Pernambuco, é um dos legitimados para propor uma ação direta de inconstitucionalidade, contra a Lei Municipal do município de Serra Talhada, perante o Tribunal de Justiça, para que assim o TJPE declara a inconstitucionalidade da Lei de Serra, em face da ausência do requisito da divisibilidade”.
19 comentários em Advogada e professora diz que ‘taxa do buraco’ em ST é inconstitucional