opiniãoPor Goottembergue Mangueira, ex-diretor da Escola Estadual Antônio Timóteo 

A ideia do politicamente correto – termo importado dos americanos – que se espalhou como uma praga ( no sentido da disseminação) na sociedade brasileira esconde um dos maiores vícios morais do ser humano: a hipocrisia. Respeitar o outro, tratá-lo de forma cortês, educada, sem causa-lhe qualquer tipo de constrangimento, é relevante para a boa convivência social, porém o que não pode acontecer é que se estabeleçam aí, por um lado, a afetação da virtude no fingimento e na covardia e por outro, a cultura do “coitadismo”.

Já houve diversos casos em que escritores, jornalistas, pessoas públicas e cidadãos comuns, fizeram declarações, que nem sempre afetaram a moral das pessoas as quais eles se referiram, mas foram processados e ficaram com a pecha de reacionários e preconceituosos enquanto que as “vítimas” se tornaram coitadinhas. Algumas se aproveitaram da situação, simplesmente para fazer escândalo e aparecer na mídia, prejudicando cruelmente o suposto agressor.

A sociedade atual é marcada por precariedades ideológicas e enervação da ética, em que a “breguice” o “medo” e a imoralidade viraram os carros-chefes do comportamento humano, com direito a rituais de apoteose promovidos pelos “amelópicos”. Poucos são aqueles que têm coragem de enfrentar o bloco dos “isóbafos culturais”, dizer diferente do que a maioria diz, se esquivar do modelo aguado que movimenta o pensamento social contemporâneo.

Muitos dão uma de bonzinhos, querendo agradar a todos. Ou seja, não querem se “queimar” com ninguém e ao mesmo tempo destruir todos. E como diz o filósofo Luiz Felipe Pondé, amando a humanidade e detestando o semelhante, se identificando muito bem com a ideia do” Homo homini lupus”, da concepção do filósofo inglês Thomas Hobbes. Uma visão muito diferente do pensamento romântico do vaidoso iluminista Jean-Jacques Rousseau (O contrato social) que é menos dramático e acredita na beleza e na pureza do homem.

Quando alguém diz na mídia algo considerado “politicamente incorreto”, a sociedade desce a ripa, criticando autor do “delito”. Recentemente, a jornalista do SBT Raquel Sheherazade, que depois de apontar algumas falhas graves na justiça brasileira que corrobora para o aumento da violência urbana, disse aos membros dos Direitos Humanos ADOTE UM BANDIDO!

Com certeza, muitos queriam ter coragem de dizer isso em público, mas a covardia deles não os permite se pronunciar dessa forma, preferem se moldar a um esquema mais cômodo que é o de criticar usando os chavões que a maioria usa. É bom lembrar que as críticas bem elaboradas enriquecem os debates. Porém, defender ou criticar porque “João ou Maria” o fizeram, é feio.

Caso não tenha coragem de falar o que realmente pensa, com medo de provocar uma polêmica, fique calado. Faça como muitos. É um direito seu. Pois como disse Luther King, para você adquirir “inimigos” não precisa criar uma “guerra”, é só falar o que pensa. E para essa contenda, é preciso se preparar. E esse preparo é exercício psicológico de poucos.

Vivemos numa sociedade violenta em que o Estado há muito tempo perdeu o controle da situação, daí a razão de muitas pessoas fazerem justiça com as próprias mãos. Não devemos, claro, fazer apologia ao crime, mas evitar certas criticas a declarações, muitas vezes, dita num momento de muita emoção e indignação com os descasos vindos, principalmente do poder público para com o cidadão de bem. Quem de nós está livre falar algo “politicamente incorreto”?

O politicamente correto, da forma como vem acontecendo, é antes de tudo, o despertar da hipocrisia social para sustentar que negro não pode ser chamado de negro, mas sim de afrodescendente, que favela não pode ser chamada de favela, mas de comunidade, que prostituta deve ser chamada de profissional do sexo. Impôs-se à sociedade o termo “politicamente correto”, mas eu pergunto: as favelas mudaram depois que passaram a ser chamadas de comunidade? As vidas dos negros e das negras brasileiras pobres, sobretudo, melhoraram depois do afrodescendente? Não.

“O politicamente correto”, quase sempre, empobrece o discurso das pessoas. O respeito é a base de tudo. Não importa a nomenclatura. Certa vez um colunista do Jornal do Commercio disse que gostava de chamar seus amigos, carinhosamente, por meu nego veio. Alguém o alertou e disse que ele estaria politicamente incorreto ao chamá-los assim. O certo seria: meu afrodescendente idoso. Ora, a sociedade brasileira é pluricultural, multifacetada ( assim como qualquer outra no mundo), interage das mais diversas formas . É possível que alguém chame um negro de afrodescendente, ironizando, tirando onda.

A linguagem não é só estrutura. ( isso foi um pensamento da década de 1970) Ela nos permite “intenções” e essas não podem ser desconsideradas. Nenhuma declaração ou palavra deve ser interpretada dentro de um contexto menor. É preciso empreender uma diversidade de avaliações linguísticas, discursivas, culturais e sociais antes de fazermos um juízo de valor daquilo que foi dito pelo outro.

A “epidemia” do politicamente correto abrange comportamentos sociais do ser humano que revelam demagogia, maldade, inveja, mentira e mau-caratismo, mas me ative, neste texto, somente à questão da crítiquice impulsionada  pela covardia.

“Precisamos resolver nossos monstros secretos, nossas feridas clandestinas, nossa insanidade oculta.”

Michel Foucault