
Por Paulo César Gomes, professor, escritor e historiador serra-talhadense
Depois de uma semana da trágica morte de Padre Orlando, tive, enfim, as condições para escrever algo que fosse a altura dele e de sua obra. Inicialmente resgato essa matéria publicada em agosto de 1999, na edição de Nº 80 do “Jornal Desafio”, assinada por Giovanni Sá.
No texto têm uma frase dita por Pe. Orlando, que diz muito do que ele foi e do que pensava, palavras que inspiraram muitos jovens como meu irmão, eu, e tantos outros, a enxergarem nele um discípulo de Dom Francisco, Bispo da Diocese de Afogados da Ingazeira e de Dom Hélder Câmara, Bispo da Diocese de Olinda.
“Se isto acontecer terá todo o apoio das autoridades religiosas. Este salário de emergência é uma indecência. É melhor morrer lutando do que ficar com fome”.
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AGOSTO/1999 – EDIÇÃO 80
Agricultores tentam invadir Secretaria de Agricultura
Giovanni Sá
Cerca de 150 agricultores tentaram invadir o Parque de Exposição de Animais, na manhã do último dia 9, onde funciona a Secretaria de Agricultura Municipal. Os agricultores pretendem forçar o secretário de agricultura, Valme Andrada, a realizar o cadastramento de famílias que não estão inseridas no programa de Frentes Produtivas. 3.360 famílias estão alistadas recebendo um salário de R$ 48. Cálculos da Secretaria Municipal estima que pelo menos mil famílias carentes encontram-se de fora do programa. Os agricultores abandonaram o local após a chegada de Policiais Militares do 14º BPM que dialogaram e pediram paciência aos manifestantes.
“Todos que estão aqui querem se alistar porque vivem passando necessidades junto com seus filhos. Tem pessoas que falam em invadir a feira e mercadinhos caso o alistamento não aconteça”, disse a agricultora Noêmia Eva da Silva, 57 anos, residente no Sítio Conceição do Baixo, a 40 quilômetros de Serra Talhada. Ela chegou a ligar para Sudene, na manhã da quinta-feira, mas foi informada que as vagas teriam que ser solicitadas pelo presidente da Comissão de Combate à Seca. Já o Padre Orlando Bezerra, que integra a comissão no ano passado, garante que os saques poderão retornar ao Sertão nos próximos meses. “Se isto acontecer terá todo o apoio das autoridades religiosas. Este salário de emergência é uma indecência. É melhor morrer lutando do que ficar com fome”, disse o padre Orlando. Ele acusa a atual comissão de negligência com os agricultores e responsabiliza pelos tumultos ocorridos. “Estamos precisando de água. Então por que o governo não contrata este pessoal para trabalhar num grande mutirão cavando o canal que trará água do Rio São Francisco?”, disse o padre.
O presidente da Comissão de Combate à Seca, Valme Andrada, afirmou que já solicitou 2 mil feiras e a abertura de mais mil vagas para as frentes produtivas, mas até o momento não obteve resposta. “Solicitei há 60 dias, mas sabemos das dificuldades dos governos. Inclusive o último pagamento ocorrido na semana passada referiu-se ao mês de maio”, disse o secretário, afirmando não acreditar em possibilidades de saques, em virtude do agravamento da estiagem.
O discurso de Padre Orlando, à época, seguia o mesmo rito adotado por Dom Francisco, que defendeu os saques dos flagelados da seca. Disse D. Francisco Austregésilo de Mesquita ao Diário de Pernambuco, em 2 de maio de 1998, ao ser indagado se era “crime ou pecado saquear merenda escolar, feiras livres ou depósitos públicos de alimentos?”, assim respondeu Francisco: “Quando há necessidade, os bens se tornam comuns. Por isso, o saque é uma ação legítima e legal, desde que seja realizado somente nos casos em que a sobrevivência do homem está ameaçada. Isso está, inclusive, previsto no artigo 23 do Código Penal Brasileiro”.
Para boa parte dos leitores que não têm conhecimento, entre os anos de 1997 e 1999, o Sertão Nordestino, homens, mulheres e crianças sofreram bastante com a seca, e o então presidente Fernando Henrique Cardoso recorreu às famigeradas frentes de emergência, que eram controladas pelos cabos eleitorais dos ‘coronéis da política’, aqui leia-se, o ex-deputado Inocêncio Oliveira.
Oriundo das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) – que eram pequenos grupos da Igreja Católica, principalmente na América Latina e no Brasil, que surgiram na década de 1960 inspirados pelo Concílio Vaticano II e a Teologia da Libertação – e da Pastoral da Juventude (PJ), dialogávamos com os jovens do bairro da Caxixola e do Movimento Estudantil, questões ligadas ao pensamento de líderes religiosos como Orlando e Francisco.
Lembro-me que, logo após Lula assumir o primeiro mandato, Padre Orlando fez parte de uma comitiva que contava com vários militantes do MST, líderes de movimentos populares, meu irmão, Roberto Gomes, e o sempre combativo jornalista Giovanni Sá. O destino foi Buíque-PE, na ocasião uma carta de reivindicações sobre os assentados no entorno da barragem de Serrinha.
Após esse movimento, o nome de Padre Orlando surgiu com muita força como sendo um virtual candidato do PT a prefeito nas eleições de 2004. Para nós, idealistas desde o berço, ele era o nome perfeito. Realizamos algumas reuniões no antigo salão paroquial, na rua dos Correios. No entanto, o recém-nomeado Bispo de Afogados da Ingazeira, Dom Luís Gonzaga Silva Pepeu, de linha conservadora, pôs fim ao debate e abortou o projeto da candidatura do pároco.
Poucos anos depois, Padre Orlando foi transferido da Paróquia do Rosário, após nove anos. As ideias e as posturas do padre nascido na zona rural de Serra Talhada, e com a cabeça e as ideias vinculadas à busca pela verdadeira justiça social, sempre estiveram presentes ao longo dos seus 29 anos de sacerdócio.
CRÍTICAS À GESTÃO DE MÁRCIA CONRADO GERARAM REAÇÕES DE SEGUIDORES FERVOROSOS DA PREFEITA
Em outubro de 2023, o pároco participou do programa Falando Francamente (TV Farol), apresentado pelo seu amigo de longa data, Giovanni Sá. Ele não fugiu do debate quando foi provocado a comentar o processo eleitoral antecipado em Serra Talhada. Aliás, Padre Orlando votava na capital do xaxado. Ao fazer uma análise do governo da prefeita Márcia Conrado e sua relação com o Partido dos Trabalhadores (PT), Bezerra foi enfático:
“Ela (Márcia) entrou no PT, mas a ideologia não é de PT. Porque o PT também está muito misturado. Se misturou até com Paulo Maluf em São Paulo. Então está muito misturado. E é o que Lula defende: ‘Venha todo mundo e a mulher de seu Raimundo’. É que virou um partido de centro, um negócio meio complicado. Não dá muito para você dizer: agora está limpo, PT e não PT. Não dá muito para você dizer isso não, porque está muito misturado”, disse Orlando Bezerra, que também fez uma análise da gestão de Márcia Conrado. “Está tímida. Poderia ter feito muito mais, que tem condição de fazer, né? Tem condições. Não venha dizer que não tem, porque tem”, reforçou.
Logo em seguida, César Kaíque, uma espécie de ‘Rasputim’ do governo Márcia Conrado, despejou uma série de calúnias contra Orlando em um grupo de WhatsApp. “O padre de Arcoverde também todos diziam que era um homem de bem”, disse, relacionando Orlando ao padre Airton Freire, que chegou a ser preso acusado de crimes sexuais em Arcoverde. E seguiu: “às vezes atrás de uma batina se esconde muita gente ruim para se tornar boa”. Também que o padre é “famoso” por “sempre aparecer quando está próximo das eleições”. Horas depois, o assessor pediu desculpas a Orlando, mas já era tarde demais, o estrago já estava feito.
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Uma das características que sempre me chamaram a atenção em Padre Orlando foi a firmeza com a qual defendia os seus pensamentos, e por essa razão sofreu muitas perseguições e difamações, principalmente de quem detinha o poder e não aceitava ser confrontado no campo das ideias.
Orlando era uma figura extremamente carismática e de uma conversa extremamente agradável. Recordo-me de certa vez conversarmos sobre as histórias da Igreja Católica em Serra Talhada, e ele me revelou um fato histórico, no entanto, me pediu que guardasse aquele relato como um segredo de confissão. O relato será guardado tal qual o pedido de Orlando, e como manda o preceito na nossa santa madre Igreja.
Espero que Padre Orlando receba ao longo dos próximos anos homenagens que dignifiquem o seu nome, sua obra cristã e os seus preceitos de justiça social.