Cadeirante foi mototaxista pioneiro em Serra Talhada

Fotos: Arquivo Pessoal / cedidas ao Farol de Notícias

Publicado às 04h04 desta sexta-feira (7)

Em 30 anos a paisagem, os costumes e a vida em Serra Talhada mudou na velocidade das luzes de uma cidade que cresce desenfreada. O final do século passado era mais barato, sem os inúmeros ‘Moto Uber’ a corrida custava poucos trocado, com R$ 1 real se atravessava a cidade. Dois pontos de motociclistas com bases na Rua Enock Ignácio de Oliveira comandavam a cidade. Os coletes eram mais simples, sem cores vibrantes e desenhos chamativos, os mototaxistas dos anos de 1990 lembravam os motociclistas radicais dos Moto Clubes.

No final do século passado também era permitido andar sem capacete dentro da cidade, o risco de morte na época era outro, a violência dos pistoleiros não tinha sido superada pela violência do trânsito. No entanto, bastaram apenas uns poucos segundos, a mistura da bebida alcoólica com direção e uma prestação de socorro inadequada para transformar toda a vida de um dos primeiros mototaxistas dos anos 1990.

DIA FATÍDICO

Iranildo Elias de Souza, 49 anos, morador do bairro São Cristóvão, mais conhecido como Seu Neném, trocou as duas rodas por quatro em uma cadeira após um grave acidente de trânsito na Rua Enock Inácio de Oliveira na região da Lagoa Maria Timóteo. A lembrança ruim trouxe a tona detalhes que fizeram a diferença. Saindo de uma mesa de bar com amigos para atender um chamado de passageiro foi fechado por outro veículo e mesmo com capacete recebeu uma forte pancada na cabeça que atingiu sua coluna e sua capacidade de locomoção.

“Tem mais ou menos 23 anos atrás, só tinha o 2121 e o laranjinha e eu era um dos primeiros mototaxistas da época, isso mais ou menos em 1995. Trabalhei nos dois pontos, a princípio só tinha o 21 e depois fui para o laranjinha. Na época tinham muitas chamadas e a corrida barata, era apenas R$ 1,00 era muito movimento. Trabalhava de 7h às 22h e chegava a quase 100 corridas por dia”, relembrou os tempos áureos, complementando:

“Eu estava bebendo e recebi uma chamada e fui a corrida e aconteceu o acidente. Estava indo pegar o passageiro ainda, o carro me trancou aqui perto do calçadão da lagoa e eu cai. O impacto foi na cabeça e atingiu a coluna, fraturou a minha T4. Na época não tinha Bombeiros aqui, me colocaram na parte de trás de um carro e me levaram para o Hospam, quando fui para o Hospital da Restauração em Recife a ambulância balançava demais, estava acordado e vi tudo. Cada buraco era uma dor insuportável, o médico me deu 100% de certeza de que estava paraplégico”.

TRILHANDO A ACESSIBILIDADE

Iranildo ganhava a vida sobre rodas enquanto sua esposa Marlene Maria da Silva, 40 anos, uma paulista de família serra-talhadense trabalhava na feira livre com uma banca de relógios e importados. Grávida de 8 meses, Dona Marlene não pode acompanhar o marido nos 54 dias de internação na capital. A jovem Thatyane Kelly da Silva Souza, 22 anos, nasceu enquanto o pai ainda estava internado. Hoje grávida de 8 meses dará o primeiro neto de Seu Neném, o amado e esperado Miguel.

Cadeirante foi mototaxista pioneiro em Serra Talhada“Quando minha filha nasceu ainda estava no hospital, só ouvia o chorinho dela pelo telefone, naquela época não tinha celular, WhatsApp e todas essas coisas. Quando voltei ela já estava com um mês e pouco. Parei de beber e comecei frequentar a 1ª Igreja Batista de Serra Talhada, há 20 anos e até hoje estou lá. Jesus foi quem me salvou. Na época fiquei em depressão, não via mais sentido na vida. Fui em um domingo na igreja e o pastor ao me ver disse que lá não tinha rampa para cadeirante, mas na próxima vez que fosse teria. E realmente no domingo seguinte estava lá a rampa”, disse Seu Neném analisando a vida das pessoas com deficiência física da cidade e suas dificuldades diárias:

“No início era bastante difícil, Serra Talhada não tinha nenhum tipo de preparo para dar acessibilidade a um cadeirante. Recebia meu benefício na porta do Banco do Brasil porque não tinha como subir. Hoje já vemos alguma mudança, mas precisamos avançar. Hoje vejo que há sinalização, mais rampas em lugares públicos, mas a conscientização das pessoas ainda é uma barreira. Certa vez reclamei de um motorista que estacionou em uma vaga para pessoas com deficiência e o condutor não gostou, se enraivou e foi mal educado. conquistamos muitos direitos, mas há muito a ser feito”.

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