Há 38 anos uma vaca matava o poeta Zé Marcolino; haja saudades

Por Luiz Ferraz Filho. Pesquisador e historiador de ST, membro da Academia Serra-talhadense de Letras (ASL)

Uma vaca matou Zé Marcolino e eu não dava José numa boiada. É através desse penoso mote, que lembraremos dessa fatídica data de 20 de setembro de 1987, quando faleceu o lendário poeta José Marcolino Alves. Nascido em 28 de junho de 1930, na Fazenda Várzea Paraíba, em Sumé – PB, ainda garoto se esquivou da atividade rudimentar para ser um entusiasta da poesia popular nordestina, participando de encontros e cantorias com os poetas repentistas naquelas veredas do cariri paraibano.

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Aquele curiboca das terras flageladas por várzeas desnudas, acalentava o sonho de um dia ter suas composições gravadas na voz do Rei do Baião. Escreveu diversas cartas, mas somente em 1961, foi possível um breve encontro. Desanimou quando percebeu o desinteresse de Luiz Gonzaga. Meses depois um novo encontro e a genialidade floresceu. Foi convidado por Gonzaga para viajar ao Rio de Janeiro, onde gravariam um disco com seis composições de autoria de Marcolino. As mais célebres foram ‘Serrote Agudo”, ‘Pássaro Carão’, ‘No Piancó’ , ‘Sertão de Aço’ e ‘Matuto Aperriado’.

Nos anos seguintes, vieram novas composições na voz de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Santana, Petrúcio Amorim e Flávio José, que imortalizaram o poeta José Marcolino. Entre elas, as célebres ‘Numa Sala de Reboco’, ‘Cacimba Nova’, ‘Saudade Imprudente’, ‘Cantiga de Vem Vem’, ‘Fogo Sem Fuzil’, ‘Caboclo Nordestino’, ‘Quero Chá’ e ‘Bota Severina Pra Moer’. Os versos dessas lindas canções entoam até hoje na memória do povo sertanejo.

Vindo residir em Serra Talhada (PE) em meados da década de 70, presenciando ele o sucesso da música ‘Numa Sala de Reboco’, tornando-a um clássico sertanejo, onde o poeta rememorava o amor do matuto dançando feliz na tapera de morada:

“Todo tempo quanto houver pra mim é pouco/ Pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco/ Enquanto o fole tá fungando tá gemendo/ Vou dançando e vou dizendo/ Meu sofrê pra ela só/ E ninguém nota que eu tô lhe conversando/ E nosso amor vai aumentando e pra que coisa mais mió”.

Em outra brilhante canção, chorava ele a saudade do apogeu das velhas fazendas sertanejas: “Fazenda Cacimba Nova/foi bonito teu passado/ Ainda estás dando a prova / Pelo o que vejo a teu lado/ Um curral grande, pendido / Um carro velho, esquecido / Pelo Sol todo encardido / Sentido, sem paradeiro / Falta de juntas de bois / Que lhe levavam de dois / Obedecendo ao carreiro”.

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Infelizmente, a flora agonizante da caatinga esperando o cheiro das trovoadas e que foi inspiração para muitos versos do poeta, tornou-se a maior testemunha daquele trágico acidente na PE-365, no município de Carnaíba (PE), quando a poesia nordestina emudeceu.

Aquela velha ambulância que socorreu o poeta agonizante com destino aos hospitais de Recife, foi sua última espectadora. Sua boca suspirou desencarnando fazendo o Sertão chorar copiosamente a morte do seu maior declamador. No ano seguinte, em 1988, durante a primeira Missa do Poeta, em tributo a memória de Zé Marcolino, um dos maiores repentistas da nossa história, Ivanildo Vila Nova, lamentou aquele fatídico e triste dia 20 de setembro, quando nosso querido poeta sussurrou suas últimas palavras:

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“Foi a vaca o motivo desse choro / Sem querer nos causou tanta saudade / Um poeta tem mais utilidade / Do que carne de vaca, leite e couro / Era filho de Sumé e valeu ouro / Criatura telúrica e inspirada / Escreveu um poema pra estrada / E sucumbiu nas estradas do destino / Uma vaca matou Zé Marcolino / E eu não dava José numa boiada”.

O evento foi acompanhado por cinco mil pessoas, e obteve grande repercussão na imprensa. Na ocasião foi realizado um show, com participação especial de Luiz Gonzaga, seu parceiro em algumas composições, Ivan Ferraz, Alcimar Monteiro, Rui Grude, Elias Nogueira, Conjunto Os Tropicais, Flávio José, Arlindo dos Oito Baixos, e Nádia Pessoa, uma menina de sete anos que foi atração tocando músicas nordestinas em harpa; além dos poetas Sebastião Dias, Geraldo Feitosa, Val, Zeto e Bia, Lourival Batista, o Louro do Pajeú. A partir de 1991, a Missa do Poeta, que já vinha sendo realizada anualmente, passou a ser realizada na cidade de Tabira (PE), também no interior de Pernambuco, sempre com a presença de grandes poetas.

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Deixou viúva a senhora Maria do Carmo Alves e os filhos, Maria de Fátima (poetisa e compositora); José Anastácio (médico em Serra Talhada); Maria Lúcia; José Ubirajara (Bira Marcolino, cantor e compositor); José Walter (cantor); José Paulo e José Itagiba. Entre os numerosos netos, destaque para a terceira geração de artistas com Walter Júnior (cantor e músico) e Itamar Marcolino (radialista e músico).