Neste Domingo de Páscoa, aproveito para desejar aos faroleiros e faroleiras um dia abençoado e de paz. Quero reafirmar, mais uma vez, que este espaço é de construção democrática e cada um pode dividir suas memórias a cada domingo. Afinal, todos nós temos alguma coisa a contar sobre algo bom ou até mesmo ruim das nossas vidas.
Feito o convite vou mergulhar numa das boas lembranças da minha vida de menino traquino e irriquieto. Quem não se lembra do Alto do Urubu? e por tabela, da Rua da Favela? Pois bem. O Alto do Urubu chama-se hoje bairro Alto da Conceição e a rua da Favela chama-se Manoel Pereira Lins, em especial, no entorno da praça de mesmo nome. Mas nem tudo fo sempre assim.
Guardo no meu baú de memórias personagens como seu Zé Grande, dono da bodega mais eclética do pedaço. Tudo você encontrava. Zé Baião, seu Zé Caboclo, Nego Arnaldo, Tonho de Bia, Pinha Seca, Gilmar e outras figurinhas carimbadas.
A Rua da Favela mais parecia um pedaço do bairro de Sowetto, na África do Sul, com casas de taipas, serrotes de pedras, muita poeira, ausência de saneamento básico e outras mazelas sociais. Mas tinham relações de amizade, solidariedade, companheirismo e até um pouco de poesia. Em frente ao supermercado Pé-de Serra, por exemplo, cheguei a ver os últimos dias do chafariz público. Um espaço pintado de amarelo onde as lavadeiras jogavam conversa fora a medida que batiam suas roupas na maior descontração. Algumas cantavam enquanto a água suja fazia jus ao nome do bairro.
Mas os tempos eram outros. Nós, meninos buchudos, corríamos pelas ruas empoeiradas e felizes. Aqui e acolá, alimentando o mistério em torno da figura da dona Zefinha Gomes, proprietária do Cine-Art, que residia num enorme casarão de esquina, onde funciona hoje o hotel Império da Serra. Dona Zefinha era alta e tinha orelhas enormes. Além disso, tinha alguns pelos na face. No imaginário infantil, ela costumava pegar crianças para comer o fígado. Vôte! era uma ‘papa-figo’. Que nada. Dona Zefinha Gomes era afável e uma boa mulher. Mas a gente corria de forma desesperada quando avistava o seu automóvel.
A Rua da Favela também foi palco de muitas das minhas brigas de rua. Aliás, apanhei muito por aquelas bandas. Tínhamos o que chamavámos de ‘tribo’. E a briga era entre grupos rivais. Mas acreditem, nada parecido com as gangues de hoje em dia. Na prática, eu costumava dar o grito de comando e ficava na retaguarda. Era mais ou menos assim: “Tribellllllll”. E saia aquele lote de meninos desesperados para uma briga corpo a corpo. Eu ficava na torcida e era o último a levar chapuletadas depois que os meus ‘guerreiros’ abandonavam o ‘campo de batalha’. Bons tempos.
PICO DA BANDEIRA
Mas não dá para terminar esta história sem escrever sobre o Pico da Bandeira, o antigo ‘Campo de Aviação’. Prá quem não conhece, é toda àquela área nobre no bairro da AABB, cercado de casarões por todos os lados. Mas nem sempre foi assim. Era um campo aberto onde costumava descer pequenas aeronaves. E todas às vezes que isto acontecia era uma festa prá meninada.
Quanto a isto ainda guardo uma péssima recordação até hoje. Uma certa feita, um teco-teco começou a sobrevoar Serra Talhada. Avistamos o dito cujo e dei o grito de comando: ‘Tribel, chegou um avião”. Cerca de dez crianças sairam correndo para ver a novidade. A partida foi na rua Bernadino Coelho e na época não tinha nada de calçamentos. Pois bem; na altura do colégio Cônego Torres levei uma topada e me lasquei todo. Meus compatriotas me deixaram no caminho, e desolado, cheguei em casa com o pé esfolado e sangrando. Foi o meu primeiro sentimento de traição. Mas acreditem, as únicas marcas que ainda guardo são das traições da vida adulta. Mas isto é uma outra história.
Saúde e paz para todos!
15 comentários em MEMÓRIA: O que restou da Rua da Favela e das minhas corridas em busca do avião