Publicado às 04h38 desta terça-feira (22)
Por Flaviano Roque, cronista serra-talhadense
Por que não lançar uma crônica dedicada ao funcionalismo público? O momento é propício para refletir sobre os agentes públicos (propriamente as pessoas que servem), face a uma série de reformas administrativas que algum macaco tirou da cartola. Desde já, explico que as menções feitas a animais nessa crônica (embora simulem algo depreciativo) se deram porque na minha cabeça estava para escrever uma fábula, mas não saiu, então deixe estar, não tive tempo de mudar.
O objetivo, deixemos isso bem claro, não é falar mal do Serviço Municipal (dada a regionalidade do alcance desse texto), mas sim tecer considerações sobre o chão de fábrica que ainda move a maioria das coisas do Estado, por isso, guardemos os elefantes brancos ao pé da Serra para outra infeliz crônica. Neste ponto, somente uma observação e me calo: tenho notado, em Serra Talhada, que elefantes privados voam, já elefantes públicos podem até ter orelhas de Dumbo, mas não levantam dois palmos do chão. E você, o leitor esperto, me questionaria: “como é isso, se nunca vi um bicho desse no sertão?!”. Bem, como animal eu também não vi, mas que existe, existe.
Então…Retornando, o fato é alarmante: como se nas Administrações Municipais deste país já não houvesse suficiente desmando, acham mais uma forma de retroagir milênios, anunciam o suposto “fim” da estabilidade para uma boa parte de servidores. Não tenho dúvida, isso é coisa de mágico. O número, embora espetacular, atônito e surpreendente, foi uma total desgraça, executado para riso de uns poucos abastados que não sabem o valor de um funcionário do Estado. Mas convenhamos, vamos confiar a um macaco a arte de tirar coelhos da cartola? Uma coisa é certa: macacos só conseguem tirar outros macacos de seus chapéus, nada mais. Não existe reforma se ausente a intenção de mudar as coisas, o que a PEC da reforma administrativa propõe é, no máximo, uma pintura e uns punhados massa para rachaduras estruturais.
Na verdade, não é nem o fim da estabilidade, primeiro porque a PEC propõe retroagir a um patrimonialismo selvagem para economizar uns trocados; caso o legislador estivesse preocupado com a eficiência do serviço público, já teria regulamentado a Avaliação Periódica de Desempenho, existente desde 1998. Segundo, digo isso, de não ser o fim da estabilidade, por uma causa simples: para sê-lo seria necessário atingir também juízes e o alto escalão dos agentes políticos que, verdadeiramente, se banham em cima do teto de gastos com subsídios monstruosos.
E como conseguem colocar em pauta coisas desse tipo? Ocorre o seguinte, o Brasil é engraçado, existe uma arte de dividir para (re)conquistar. Algum navegante, por óbvio, sacou dos bolsos — logo que atracaram as primeiras caravelas em terras tupiniquins — essa grande ideia de enfraquecimento genocida de todo o povo. Desde sempre o projeto não foi tomar algo de alguém; tomado já estava. A ideia original era retirar aquilo que os outros já não têm. A história deve mesmo ser cíclica, pois essas antigas metáforas de navios veleiros sempre regressam de quatro em quatro anos; e as vezes agente não percebe. Os anos se passam e os “estrangeiros” vêm saquear os trópicos, levando em conta que certos brasileiros são totalmente desprovidos da capacidade de sentir-se brasileiros, e não têm pudor algum para propor reformas de mera fachada.
Falo por experiência própria, ano passado obtive estabilidade no serviço público, sabe o que mudou em minha vida? Nada. Justamente, tecnicamente é apenas uma forma sutil de acreditarmos que temos um valor maior depois de três anos suados metidos nas coisas do Estado. E até isso querem nos tirar? Sim, essa é a reforma, nua e crua.
Meus amigos, se puderem me permitir um conselho para essas questões: cuidado com os elefantes e com os macacos mágicos! Fiquemos à espreita com os ladrões de sonhos, prometem elefantes, mas todos sabem que não existe honra entre elefantes. E não se surpreendam se começarem, especialmente nessa época eleitoral, a ver vários primatas malabaristas entrando em seus lares. Note bem, a diferença desses dois animais, quando comparados com o “corvo” de Allan Poe, é mínima. Tirando o fato de esconderem o seu mortal “Nunca, mais” — e, em seu lugar, entoarem o “Eu sou o novo, é a hora da mudança” — são ainda portadores de más notícias.
Quanto a mim e a você, caro agente público, sigamos! Estabilidade de verdade é coisa de juiz… Aliás, juiz tem é vitaliciedade. Quem sabe um dia, meus amigos, não acordemos num domingo de sol com uma sensação doce de vitaliciedade? Até lá, sigamos na labuta, com cuidado para não tropeçar em macacos e elefantes.
Serra Talhada, 17 de setembro de 2020,
Flaviano Roque
18 comentários em O fim da estabilidade e os servidores paquidermes