Por Ivanildo Salvador de Melo, de Serra Talhada
Depois de tanto tempo morando quase ao lado da antiga Casa Dos Pobres, atual Abrigo Ana Ribeiro, bateu-me a curiosidade de ver como as coisas funcionam lá dentro. Sempre vejo várias pessoas idosas sentadas na calçada sob os olhares atentos de algumas pessoas voluntárias que cuidam delas.
Sempre quis saber algo mais sobre essa instituição de amparo a esses idosos carentes. Sei que várias outras pessoas aqui fora ajudam a manter aquele abrigo com doações, outras dedicando um pouco do seu tempo para cuidar daquelas vidas quase que esquecidas. Não quero entrar no mérito dessa questão de quem ajuda e de quem deveria ajudar esse abrigo. Meu interesse aqui é relatar um fato interessante que ocorreu comigo durante a minha visita àquele local.
Ao passar por um dos quartos, vi uma senhora com a “cabeça branquinha” a arrumar aqueles cabelos alvejados pelo tempo! O quarto com aquele cheirinho de Vinólia e ela com um rastro de sabonete Alma de flores pelo corpo. – Olá, bom dia, faço o cumprimento. Eis a resposta: – Bom dia, cafuçu, pode entrar.
– Como é o nome da senhora?, pergunto e ela responde: – Berenice. – Oi, dona Berenice, tudo bem? Que quarto cheiroso é esse? e começo a conversar. Percebo, então, que ela é um tanto avexada! – D. Berenice, há quanto tempo a sra. está aqui? – Ah, meu filho, nem lembro mais! Só lembro que no meu tempo não existia esse negócio de milk shake que as meninas falam hoje. Naquele tempo, as meninas gostavam era de grapette, Crush, Cliper, embaré zorro, capucho de açúcar feito na hora, alfinim…
Eu, como certo conhecedor do assunto, pergunto: – E da Cascata, a sra. lembra da Cascata (antiga aguardente)? Ela me responde: – Se lembro! Toda vez que meu irmão bebia aquela besta fera ficava cambota das perna. Eu pedia pra ele não beber mais aquilo, adulava e ele ficava era azuado comigo! Lembro que um dia ele queria dar em mim, meu outro irmão deu uma tapa na caixa dos peito dele que ele virou bundacanasca! Depois, quando nosso pai chegou, o meu irmão que apanhou, cheio de lundú, foi cabuêtar. Bem feito!, retrucou papai e completou: – Se fosse eu, não teria dado na caixa dos peito e sim logo no pau da venta! Saia daqui logo, disse papai. Meu irmão saiu correndo, correu tanto que ficou com dor de veado! Só foi parar lá nos cafundó de judas, lá na caixa prego!
– E o pai da senhora, a sra. ainda lembra o que mais dele? Só de algumas coisas, meu filho. Que a nossa casa era uma amarela queimada, bem grande! Dos meus irmão caçando briba no muro de casa e de quando a gente ficava doente com alguma ferida, nascia umas landras na gente que tinham de ser cortadas com uma faca atrás da porta, responde ela. E continua: – Oh, abilolado, vai pô. Já faz muito tempo! Pra que tu quer saber dessas coisas do tempo do ronca?
– E a sra. lembra de mais alguém da família da senhora?- Oh abilociu, cê tá querendo saber demais! Vai pra baixa da égua! E, vendo a mudança de humor dela, vendo que ela ficou enfezada, pedi desculpas e fui saindo do quarto quando escutei: – Já vai bocó? Vai, vai procurar outra pessoa pra tu bulir.
Berenice é uma personagem fictícia a qual criei esse texto para lembrar um pouco do nosso nordestinês que ficou perdido no tempo. São coisas que não voltam mais. Abraço a todos e uma ótima semana.
3 comentários em OPINIÃO: Relembrando a linguagem do tempo do ronca e outras histórias de Serra Talhada