Projeto quer fornecer leite de jumenta para hospitais de PE - Foto: The Donkey Sanctuary/divulgação
Foto: The Donkey Sanctuary/divulgação

Com informações do Diário de Pernambuco

Na Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (Ufape), em Garanhuns, um projeto inovador está criando uma ponte entre a conservação de uma espécie ameaçada e a saúde de recém-nascidos. A iniciativa pretende abastecer bancos de leite de hospitais neonatais com leite de jumenta, que possui altíssimo valor nutritivo. Em fase de testes, o projeto acadêmico já planeja se tornar uma startup e se apresenta como uma solução dupla: salvar vidas humanas e recuperar a população de jumentos, hoje em risco crítico de extinção no Brasil.

Tudo começou em 2018, quando a Polícia Rodoviária Federal (PRF) procurou a universidade. O problema era um número crescente de jumentos abandonados nas estradas, causando acidentes. Intitulado “Caracterização do potencial produtivo leiteiro de fêmeas asininas do ecótipo Nordestino”, o projeto de extensão surgiu para dar uma destinação nobre a esses animais.

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“As pessoas perderam interesse econômico nesses animais e, naquele momento, um grande número de acidentes estava sendo registrado”, relata Jorge Lucena, professor de Zootecnia da Ufape e um dos coordenadores da atividade.

O desafio é grande. Dados da ONG Internacional The Donkey Sanctuary apontam uma redução assustadora de 94% na população de jumentos no Brasil entre 1999 e 2024. Além das mudanças no campo, a espécie é vítima do extrativismo do colágeno de sua pele, usado para produzir o elijao – produto da medicina tradicional chinesa, sem comprovação científica, usado há milênios para tratar de anemia a impotência.

Leite que salva

O professor Lucena enxerga na produção uma alternativa de preservação sustentável e uma nova fonte de renda para famílias agricultoras. “Em termos bioquímicos, o leite de jumenta é o mais próximo ao leite materno humano. Como os aminoácidos estão livres, em moléculas menores, eles são mais fáceis de digerir e causam menos alergia”, explica.

A meta ambiciosa é começar a fornecer o leite para UTIs neonatais de Pernambuco já no primeiro semestre de 2026. “Estamos na fase de avaliação microbiológica do leite, para ver se há contaminação de alguma bactéria nociva, além de aspectos como o teor das proteínas”, conta Victor Netto, professor da Ufape e colaborador do projeto.

Atualmente, a equipe trabalha com um grupo de animais doados e resgatados. Um dos focos é induzir geneticamente a produção de mais fêmeas, uma técnica já comum na pecuária bovina. A gestação das jumentas é longa, levando até 12 meses, e a lactação pode durar de 4 a 8 meses.

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“Esperamos que a quantidade de leite produzido aumente ainda neste ano, permitindo que a gente inicie a produção desse leite em pó. Nessa forma, ele é mais seguro por causa do tempo de prateleira, facilitando a utilização em UTI’s”, ressalta Netto.

Startup

A transformação do leite líquido em pó acontece em um liofilizador, uma máquina a vácuo que desidrata o produto preservando seus nutrientes. “O nosso é capaz de liofilizar entre 8 e 12 litros de leite por dia. Estamos com um projeto-modelo de startup, para buscar investimentos para a melhoria do equipamento e dos processos, desde a melhoria genética, até a rotulagem dos produtos”, diz Netto.

A visão de negócio vai além do leite para hospitais. O projeto inclui a criação de uma linha de derivados, como cosméticos, sabonetes e queijos. “Todo animal que dá retorno financeiro é bem tratado pelo produtor. A cadeia de bem estar deles está muito ligada à produção, pois um animal bem cuidado produz mais. A gente espera que o aumento do valor agregado de jumento também melhore a qualidade de vida deles”, completa Netto.

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O queijo de leite de jumenta, por exemplo, é um produto de luxo. Bastante consumido no Oriente Médio, seu preço pode chegar a ser 80 vezes maior que o do queijo de vaca. “A jumenta não produz leite durante todo o dia, como a vaca. Além disso, devido à qualidade nutricional desse leite, precisamos de muitos mais litros para produzir um quilo de queijo”, explica Gerla Chinelate, professora Associada do curso de Engenharia de Alimentos da UFAPE.

O queijo possui um sabor mais adocicado, graças ao alto teor de lactose, mas seu aroma é familiar. “Quanto ao sabor, a gente não trata da modificação sensorial para melhor aceitação do consumidor. Pelo contrário, mantemos as características naturais para que as pessoas se acostumem com o leite de jumenta e derivados”, acrescenta Chinelate.

Sob sua supervisão, a equipe já produz, em escala de pesquisa, uma variedade de produtos pasteurizados: coalhada, iogurte e até sorvete. “Muitas pessoas ainda não têm o conhecimento da capacidade dos jumentos de produzir materiais de alto valor agregado e nutricional. A gente espera que essa iniciativa mostre o potencial desses animais aos produtores”, conclui a professora, sintetizando a missão de um projeto que quer transformar o abandono em esperança, gota a gota.